Gildo de Freitas Curiosidades

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Gildo de Freitas, nome artístico de Leovegildo José de Freitas (Porto Alegre, 19 de junho de 1919 — Porto Alegre, 4 de dezembro de 1982), foi um cantor, compositor e trovador brasileiro. Possuía um estilo muito próximo ao do também tradicionalista, Teixeirinha, os dois eram parceiros de trovas e muitas vezes se atacavam nas músicas alegrando as plateias, uma rivalidade feita na brincadeira, com 17 álbuns gravados. Gildo até hoje tem o título de "O Rei dos Trovadores" e também "O Rei do Improviso".

Ainda hoje existem muitas dúvidas a respeito da briga entre Gildo de Freitas e Teixeirinha, se ela era de verdade ou brincadeira mostrada através dos versos.

Gildo de Freitas em seu primeiro Lp em 1964 provocou Pedro Raymundo respondendo a música “Adeus Mariana” com a canção “Que Jeito Têm a Mariana”.

Os registros fotográficos e videográficos da trajetória de Gildo de Freitas são escassos...

Curiosidades Gildo de Freitas
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Teixeirinha

Ainda hoje existem muitas dúvidas a respeito da briga entre Gildo de Freitas e Teixeirinha, se ela era de verdade ou brincadeira mostrada através dos versos. Para esclarecer estas dúvidas, temos de explorar a história do Teixeirinha. Sabe-se que por volta de 1950, Gildo (que até então era o mais famoso, reconhecido como trovador imbatível) conheceu Teixeirinha nas apresentações que fazia na rádio Farroupilha de Porto Alegre e, a partir de 1954, os dois viajavam o Rio Grande do Sul animando bailes e festas.


    Acima foto de uma apresentação de Gildo e Teixeirinha. Teixeirinha, à esquerda, com seu tradicional violão e Gildo, à direita, com sua gaita Todeschini.

As trovas entre Gildo e Teixeirinha chegavam a durar horas. Às vezes ficava impossível dizer quem vencia. “As que vi foram algumas das experiências mais fantásticas da minha vida”, contava o folclorista Antônio Augusto Fagundes, o Nico, amigo de ambos. Teixeirinha era, acima de tudo, um músico, um cantor e um compositor. Mas as lições de improviso que ele, oito anos mais novo, teve no período em que conviveu com Gildo foram fundamentais para moldar o homem que, com canções como Coração de Luto e Querência Amada, se tornaria o mais popular artista local. A parceria durou até 1960 quando Teixeirinha gravou seu primeiro LP. É nesse ponto que começa a polêmica briga entre Gildo e Teixeirinha. Gildo acusou Teixeirinha de quebrar um trato segundo o qual os dois gravariam o primeiro LP juntos. Já Teixeira, defendendo-se, afirmou que, se o amigo demorou em gravar, e mais ainda para alcançar o sucesso em disco, foi por cuLPa dele próprio. Em defesa de Teixeirinha existe o argumento que Gildo estava indeciso com seu futuro, entre a música e a lida rural (Gildo, em Viamão, chegou a criar porcos) e que ele Teixeirinha não podia esperar mais o amigo decidir. O tempo passou e mostrou que Teixeirinha tinha razão afinal não é por acaso que Teixeirinha é também conhecido como Rei do Disco.

As brigas acabaram trazendo sucesso e repercussão para ambos, apesar de alguns momentos de mais belicosidade do Gildo e Teixeirinha. Por isso Gildo de Freitas acabou respondendo músicas que não eram para ele como o Facão de três listras, como veremos mais adiante. De certo, entre 1950 e 1965, Gildo e Teixeirinha levavam um vida de compadres, encarando as provocações como brincadeiras. Em 1963 em seu LP “Teixeirinha Interpreta músicas de Amigos”, existe a música Cobra Sucuri e, para quem não sabe ela é de autoria do Gildo de Freitas. Por ironia do destino o duelo de versos entre Teixeirinha e Gildo começa com Teixeirinha cantando uma música de autoria do Gildo, que na verdade provocava o Teixeirinha. O primeiro LP do Gildo foi lançado em 1964 mas aparentemente não havia uma provocação clara ao Teixeirinha, aparentemente, pois havia algo a mais na múscia “Baile do Chico Torto”, s isso vamos analisar no trecho “Teixeirinha mexe com o Gildo”.

A letra da música “Cobra Sucuri” segue abaixo:

Cobra Sucuri
Letra: Gildo de Freitas
Interpreta: Teixeirinha

Eu às vezes tô me lembrando
De um bom compadre que eu tinha
Valente como um diabo
Pior que galo de rinha
Quando o compadre puxava
Sua faca da bainha
Até a própria polícia
Prometia mas não vinha.

Me contou um morador
Lá do rio Gravataí
Que na costa desse rio
Ninguém mais pescava ali
Porque diz que aparecia
Uma cobra sucuri
E aquela cobra fazia
Todos os pescadores fugir.

Eu contei pro meu compadre
Ele garrou pegou a ri
Convidou pra nós ir lá
E eu já me arrependi
Pra ele não embrabecer
Eu fui obrigado a ir
Lá na costa desse rio
Ver a cobra sucuri.

Nós chegamos na barranca
Eu senti um arrepio
Mas quando eu vi a cobra
O meu compadre também viu
A água fez uma onda
Na onda a cobra sumiu
E ainda por desaforo
Deu uns quatro ou cinco piu.

Meu compadre vendo a cobra
Já foi largando as tamancas
Deu um jeitinho no corpo
E da sua faca branca
A cobra veio piando
Veio subindo a barranca
E eu também já fui subindo
Num pé de figueira branca.

Lá de cima eu tava vendo
Como um homem se desdobra
Aí vi que o meu compadre
Tinha destreza de sobra
Ele foi dando um jeitinho
Foi fazendo uma manobra
Em vez da cobra comer ele
Ele é quem comeu a cobra.

Depois da cobra comida
Meu compadre embranqueceu
Olhou pra mim e disse
Por que foi que tu correu?
Ora, ora meu compadre!
Tu bem sabe quem sou eu
Eu tava louco de medo
Da cobra que tu comeu!

A Jibóia engole o Gildo...

Como a música “Cobra Sucuri” era uma provocação (apesar da música ter sido cantada por ele próprio em seu LP), Teixeirinha não perdeu tempo,e no mesmo ano gravou e lançou a música “Cobra Jibóia”, está sim uma provocação ao Gildo de Freitas. Essa música está no LP “Etá Gaúcho Bom” de 1963.

Nessa música Teixeirinha diz, em provocação ao Gildo, que desta vez ele não conseguiu engolir a cobra, e que essa jibóia acabou engolindo o Gildo e que o compadre acabou saindo pelo o outro lado da Cobra. A seguir a letra da música:

Cobra Jibóia
Autor: Teixeirinha
(Eta Gaúcho Bom, 1963)

“Hehe, é verdade na outra vez o compadre engoliu a Cobra Sucuri mas agora apareceu a Jibóia e eu quero ver como ele vai se arrumar.”

Eu hoje estou me lembrando mas não é da sucuri
É de uma cobra maior lá do rio capicui
Quinze metros é o tamanho e a mais grossa que eu já vi
Uma tal cobra jibóia dessa o compadre não ri

Os pescadores não pescavam de tanto medo que tinham
Mandei chamar meu compadre me mandou dizer que vinha
Sem demora ele chegou lambendo a sua faquinha
Me perguntou debochando a onde está a cobrinha

Eu disse pro meu compadre está no rio capicui
Vai andando pela costa a cobra anda por ali
Meu compadre envermelhou e disse tu tem que ir
Então prá não apanhar junto eu tive que sair

Nós chegamos na barranca meu corpo se arrepiava
Meu compadre se lambia, de medo eu assobiava
A água fez uma onda na onda a cobra espiava
Daqui a pouco a cobra veio eu senti que me molhava

Meu compadre vendo a cobra já fez uma pirueta
Manobrava sua faquinha e eu fazia careta
A cobra veio piando subindo na barranqueta
E eu também já fui subindo num pé de figueira preta

Lá de cima eu tava vendo meu compadre atrapalhado
Querendo engolir a cobra mas dessa vez foi trocado
Ela que engoliu ele tive pena do coitado
Mas meu compadre foi vivo e já saiu do outro lado

Conseguiu matar a cobra, lá de cima eu não desci
Meu compadre estava bravo e eu quase morto de ri
Ele perguntou porquê eu então lhe respondi
Cobra cumprida demais o senhor não pode engolir

Abre o olho Teixeirinha!

Cronologicamente, Baile de Respeito do Gildo e Baile de Mais Respeito do Teixeirinha, foram gravadas e lançadas antes, mas a música que foi a resposta para essa “Cobra Jibóia” foi à música “Abre o olho Rapaz” e pelo tom da resposta, o Gildo não gostou da história dele ter sido engolido pela cobra e sair pelo outro lado. Essa música está no LP de 1966 “Desafio do Padre e o Trovador”.

Nessa resposta, o Gildo confirma que foi engolido pela cobra, mas acrescenta que saiu pelo mesmo lado que entrou e ainda alfineta o Teixeirinha que, em outras palavras, chama de covarde, cantando que o Teixeirinha dispara de qualquer cobrinha.

E se em outra encarnação o Teixeirinha vier cobra não é para engolir, pois ele ia saltar de espora para judiar do Teixeirinha.

Abre o Olho Rapaz
“Teixeira anda dizendo que quando matei uma jibóia eu entrei pela boca da cobra e sai lá nem sei por donde, seu.”

Essa historia de Jibóia
Que o Teixeira têm contado
Que a Jibóia me engoliu
Mas não foi por descuidado
Ela abriu-se eu saltei dentro
Depois cheguei lá no centro
Pra descansar um bocado
Mas naquela mesma hora
Ela abriu-se eu saltei fora
Mas porém do mesmo lado
Comigo não têm esse negocio
De entrar em picada e procurar atalho seu.

O Teixeira não te mete
Fazer o que o “Freita” faz
Tu nem deve de chegar
Perto desses animais
Pode alguma Sucuri
De lá sai e te engoli
Tu abre o Olho Rapaz
Já na entrada tu cai
Depois o Sr. não sai
Nem por diante e nem por traz
Não te mete Teixeira!

Tu deixa pra o Gildo Freitas
Que é de raça destemida
E a minha carne por cobra
Ainda não foi mordida
Coragem eu tenho de sobra
Não é a primeira cobra
Que eu já deixei sem vida
Eu não sou o Teixeirinha
Que enxerga qualquer cobrinha
Corre fazendo ladainha

E agora Teixeirinha
Vou botar banca pra ti
Se na outra encarnação
Você vier cobra pra qui
Não venha com idéia louca
De vir abrindo a boca
Pensando de me engoli
Tu abrindo a boca eu entro
Mas vou te esporá por dentro
Que é só pra judiar de ti
E depois que eu te judiei
Eu vou sair por onde entrei
Que é pra ver o povo rir...

A Cascavel do Gildo

Mas é lógico que o Teixeirinha não perdeu tempo e, em 1966, no LP “Teixeirinha no Cinema” está à música “A Cobra Cascavel”. Música que encerra a discórdia sobre as cobras. Nela Teixeirinha diz que não adianta o Gildo reclamar que ele vai comer cobra a vida inteira. Ainda fala dos Bailes de Respeito e de Mais Respeito.

E o que chama a atenção é que, nas músicas anteriores, não havia a letra "a" antes do título da música o que pode siginificar nas entrelinhas que "A cobra Cascavel" é Gildo de Freitas.

Na música, Teixeirinha não economiza em citar a palavra compadre, fiquem com letra:

A Cobra Cascavel
“Te prepara compadre Gildo que eu vou chutar no teu gol de novo!”

Eu estes dias fui dar uma volta
Andava na margem do rio Taquari
Fiquei sabendo que o rico compadre
Gildo de Freita andava por ali
Tava comendo uma cascavel
Prima-irmã da cobra Sucuri
Vinha ser neto da cobra Jibóia
Meu compadre gostando engoliu
Quando a cobra desceu na barriga
Ele deu um grito e eu tive que rir
Que cara feia ele fez

Eu perguntei porque ele gritou
Naquela hora que a cobra desceu
Ele esticou a barriga pra frente
Deu um gemido e depois se encolheu
A cascavel pulava na barriga
No seu umbigo por dentro mordeu
Botão a mão para a cobra não sair
Deitou no chão rindo adormeceu
Fiquei olhando por todos os lados
E cobra veia não apareceu
Ele só roncava satisfeito!

Ele dormindo e sonhando com a cobra
Quando acordou me deu um arrepio
Pegou o facão e veio contra mim
Com roupa e tudo me joguei no rio
Fui dar risada lá no outro lado
Da cascavel que o compadre engoliu
Se foi cantando Baile de Respeito
De Mais Respeito cantei e ele ouviu
E o sentimento que eu trago comigo
É não puder ver aonde a cobra saiu
A barriga do meu compadre parece cemitério de cobra!

Compadre Gildo de Freita me disse
Pra eu me virar numa cobra comprida
Pra engolir ele com exporá e tudo
Perca a esperança a parada é perdida
Eu vou ficar no mundo pra semente
Comigo ficam dez mulher querida
Fazendo letras de todas as cobras
Que por ti todas já foram engolidas
Não adianta mudar teu destino
Tu vai comer cobra toda a tua vida
Tu não é bruxo pra te escapar compadre.

A Batalha das Cobras

Não há dúvida que nas batalhas das cobras Teixeirinha saiu ganhando mas, na verdade, a estratégia de provocações para vender discos estava atendendo aos dois.

E para finalizar, segue uma montagem para ilustrar esta história. Seria uma trova imaginaria entre o Teixeirinha e o Gildo, com base nas músicas “Cobra Jibóia”, “Abre o Olho Rapaz” e “Cobra Cascavel”.

Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com

O Respeito dos Bailes do Gildo de Freitas!

Depois das brigas das cobras, chegou à vez dos Bailes e essa foi a parte cômica das brigas com as músicas “Baile de Respeito” e “Baile dos Cabeludos” de Gildo de Freitas e “Baile de Mais Respeito” do Teixeirinha.

Baile de Respeito é do segundo LP que o Gildo gravou, o ano é 1965 e o nome do LP é “O Trovador dos Pampas - Vida de Camponês”. Foi a primeira música que Gildo de Freitas gravou provocando Teixeirinha.

Em “Baile de Respeito”, Gildo de Freitas se superou em uma infinidade de versos bem rimados trucidando Teixeirinha. Da parte de Gildo, foi a melhor das músicas dedicadas ao Teixeirinha. Gildo também inaugura um termo com o qual ele vai se referir a Teixeirinha até sua morte em 1982, que é chamar Teixeirinha de “nanico”. E no fim não perde a oportunidade de também colocar a Mary Terezinha no baile.

Baile de Respeito

Eu fui num baile
Donde tava o Teixeirinha
Já criando ladainha
Cheguei arrastando a espora
Preguei-lhe o grito
Hoje o baile tem respeito
E olhei firme pro sujeito
E já se mandou porta afora
-E vai te mandando nanico
Petiço da perna curta
Têm que largar primeiro

Foi coisa linda
O Teixeira disparando
O lenço branco avoando
E as velhas gritando atrás
E as prendinhas ficaram
Agarrada em mim
Cantando e dizendo assim
Aquele não volta mais
-Se voltar é pior pra ti

Aquelas velhas gritaram
No mesmo tom
O comedor de batom
Com esse susto ele se ajeita
A minha filha da comadre e da vizinha
Não quer mais o Teixeirinha
Só querem o Gildo de Freitas
-E tá muito certo meninas
Vocês não tem mau gosto
Eu sou bonito mesmo

Com aquele ato
Eu fiquei dono do campinho
Todo cheio de carinho
E era aquele troca e pega
E foi assim que eu dancei a noite inteira
Enquanto o pobre Teixeira
Chorava lá na macega
-Pobre vivente, chorava mais que criança molhada

Aquele baile eu dancei barbaridade
Me diverti à-vontade até o dia clarear
Se levasse junto a Mary Terezinha
Eu creio que a coitadinha também ficasse por lá
-E essa eu não te entregava mais.

Mais Respeito ao Teixeirinha

A resposta do Teixeirinha também é de 1965, com a música “Baile de Mais Respeito”, do LP “Bate Bate Coração”.

Nessa resposta Teixeirinha já começa afiado, “petiço por petiço tu também é”, esse é o recado de início para Gildo de Freitas.

E tem como base a música “Baile do Chico Torto”, que é um grande sucesso do Rei dos Trovadores. E ao fim da música diz que acabou com a fama do comedor de Sucuri.

Outro detalhe é que essa é a primeira música em que Teixeirinha não chama o Gildo de compadre, isso talvez demonstre um certo descontentamento pelo Baile de Respeito.

Baile de Mais Respeito
“Te prepara Gildo de Freitas que essa vai para ti, Petiço por petiço tu também és.”

Sábado fui dar uma volta lá para as bandas do povoado
Por lá descobri um baile já fiquei todo assanhado
No salão do Chico Torto um reboliço danado
O Gildo de Freitas no centro batendo em gente lá dentro
Mas quando na porta eu entro ficou branco apavorado
-Sentiu o cheiro do carvão com pedra!

Dei um grito para a gaita Teixeirinha está chegando
Perguntei para o Chico Torto quem é que aqui está mandando
Me diz que é o Gildo de Freitas que o povo está respeitando
Eu disse, não manda mais, teu é pau e o meu é az
Disparou gritei de trás, te arranca que tão pegando

E o Gildo saiu comprido, porta a fora tropicando.
E as moças davam risada do seu pala abanando
Esqueceu um lenço e um chapéu e eu detrás sai chutando
Tropicou caiu num valo agarrei pelo gargalo
Vai cuidar do meu cavalo enquanto eu sigo bailando
-O baile hoje é só pra mim!

Fiz ressuscitar os mortos e acabei com a choradeira
E tomei conta do baile com trinta moças solteiras
Gritavam para o Gildo ouvir o mais bonitinho é o Teixeira
É mais novo e tem mais brilho e o Gildo fora dos trilhos
Cuidando do meu tordilho debaixo de uma figueira
-Cuidado que o sereno vai te fazer mau índio velho!

Quando foi no outro dia na hora que o sol desponta
Eu chamei o Chico Torto se tu és macho me afronta
Escrevi meu nome a bala no chapéu do mosca tonta
Acabou o teu conforto o pobre do Gildo ta morto
E o salão do Chico Torto eu fechei por minha conta

-Lá tu vai dança quando eu quise índio velho!
E soltei o Gildo de Freitas molhado que nem guri
Vai contar para os teus fãs o que eu te fiz por aqui
Acabei com a tua fama comedor de sucuri
Pois eu não sou o teu anzol tu só tem conversa molhe
Tu não briga é só farol, já chega tchau pra ti.

Os Cabeludos não querem os Grossos!

Gildo, de Freitas em seu quarto LP, gravado em 1968, “Gildo de Freitas E Sua Caravana” gravou a música “Baile dos Cabeludos”. Aparentemente não foi resposta a música “Baile de Mais Respeito” e também não foi respondido pelo Teixeirinha.

Nessa música, Gildo conta que ele e o compadre Teixeira, junto com o Portella Delavy (na época um jovem trovador que já brilhava no Grande Rodeio Coringa na rádio Farroupilha e que é co-autor da música “Para-Pedro”, junto com o José Mendes) foram a um baile de cabeludos e foram impedidos de entrar, porque eram grossos. Gildo aproveita para alfinetar a cabeleira do Teixeirinha e também provoca o Delavy e seu “Para-Pedro”.

E por fim termina dizendo que o Teixeirinha se agarrou num homem parecido com a Mary Terezinha e foi obrigado a gritar:


-Larga que isso é homem, Teixeirinha!

Baile dos Cabeludos

Um dia nesse passado se resolvemo a sai,
Eu o cumpadri Teixeira e o Portela Delavy
Fomo apreciar um baile que existia por ali
Um baile dos cabeludos vocês vão morre de ri
Vão ri porque não é com vocês!

Quando cheguemos no baile já foi aquele alvoroço
Os cabeludo dizendo tão de lenço no pescoço
Chego o chefe da sala e disse olha seu moço
Arretire seus amigo por que aqui não dança grosso
Que desaforo!

Foi ele me dize isso foi àquela fumaceira
Dei lhe dois tiro pra cima e o coitado do Teixeira
Tinha ido sem revolver deu de mão numa cadeira
Cada bordoada que dava levantava as cabeleira
Vai dando na cabeça até arranjar juízo!

E os cabeludo corriam que nem ovelha em rebanho
E o pobre do Delavi levou um susto tamanho
Se embreto com os cabeludo dentro dum quarto de banho
Naquilo eu ouvi um grito e notei que não era estranho

Trancaram a porta por fora e tavam lá naquele enredo
Eu atirei na fechadura pra descobri o segredo
Dellavy passou correndo e se foi aos auvoredo
E eu ouvi aquela voz Pedro-para, para pedro

E o meu cumpadi Teixeira quando termino a rinha
Se agarro num cabeludo dizendo assim essa é minha
Que menina parecida com a Meri Terezinha
Fui obrigado a gritar-Larga o home Teixerinha
Larga que isso é home rapaz!

Trova de Gildo de Freitas e Teixeirinha (montagem):


Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com


Para ilustração dessa passagem dos bailes, a montagem com as três músicas simula o que muitos historiadores dizem que foi “trova a distância”.

Desse modo fechamos mais um capítulo das brigas, a parte mais amena e menos belicosa da relação entre Gildo de Freitas e o Teixeirinha. Se havia um trato entre os dois, de trovarem a distância para aumentar o sucesso de suas carreiras, este, até meados de 1968, foi cumprido amistosamente. E nessa batalha quem saiu vitorioso foi o Gildo com seus dois bailes. Mas a partir dos bailes, a relação começa a ficar difícil, de tal modo que se especula que houve um rompimento em 1975/76, mas isso é história para mais adiante.

Teixeirinha mexe com o Gildo!

Talvez a música que o Gildo de Freitas tenha feito para responder “Baile de Mais Respeito” e “Cobra Cascavel” tenha sido “Não mexa com quem está quieto” do LP “Gildo de Freitas e Sua Caravana”, de 1968. Nessa música Gildo canta em tom de desafio a Teixeirinha e, sem modéstia nenhuma, afirma que ninguém é capaz de vencer a ele na rima, demonstrando de que ele tinha consciência de que era o mais talentoso trovador de seu tempo, fazendo jus ao seu título de Rei dos Trovadores.

Diz também que é melhor para Teixeirinha ter questões contra a lei do que ter questões contra Gildo de Freitas e manda Teixeirinha lembrar das provas que ele deu em suas brigas. Essa música pode ser considerada a resposta do Gildo a música do Teixeirinha “A cobra Cascavel”, pois é a música que vem em seguida a ela. Por fim para resumir diz que Gildo Freitas não é bom inimigo.

Não mexa com quem está quieto

Eu tenho dó de algum contrario
Que com essa idéia pensa
Que apareça quem me vença
Morre de velho e não vê
Deus me consentiu nascer
Vim no mundo para exemplo
Não morro antes do tempo
E não corro sem vê do que

Eu peço perdão ao povo
Sei pra quem estou propondo
Eu Sou um gaúcho redondo
Eu não foi feito quadrado
Eu rolo pra qualquer lado
Quando o perigo vem vindo
Eu conheço o cego dormindo
E também o rengo sentado

Um contrario me vencer
É o mais custoso que eu acho
Só se o céu descer pra baixo
E a terra subir pra cima
Os astros mudar de clima
Trocar verão por inverno
Mudar o céu pra o inferno
Depois eu perco na Rima

É mais fácil burro voar
O galo ciscar pra frente
As galinhas criar dentes
As vacas botarem ovo
Já pedi perdão ao povo
Mas é preciso eu dizer
Contrario pra me vencer
Só que ele nasça de novo

Eu te aviso Teixeirinha
Ligeiro com pouco prazo
Não convém tu criar caso
Que é pra evitar o perigo
Eu não sou bom inimigo
Já sabe as provas que eu dei
Antes pelear contra a lei
Do que ter questões comigo
-Vai abrindo o olho xiru.

Não mexam como o Teixeira!

A resposta do Teixeirinha não tardou, e foi em alto estilo, na música “Foi Tu que Mexeu Comigo” de 1968 do LP Ultima Tropeada.

Teixeirinha, na letra, se defende dizendo que nunca provocou ninguém e também ataca, insinuando que Gildo de Freitas quer fazer sucesso na carona do cartaz de Teixeirinha. Mas o que mais me chamou a atenção nessa letra foi o trecho onde Teixeirinha diz:


“tu já no primeiro disco pensaste que eu era arisco tentou me jogar no cisco e a resposta recebeu “


O primeiro disco do Gildo de Freitas foi “Gildo de Freitas – O Trovador dos Pampas” de 1964 e não há nenhuma música provocando Teixeirinha que possa ser percebido claramente, entretanto o Teixeirinha em Baile de Mais Respeito usou como pano de fundo o Baile no Chico Torto para provocar o Gildo, o que leva a interpretar que “Baile no Chico Torto” possa ter sido, de alguma forma, uma música que provocou Teixeirinha, até porque o Chico Torto é um local verídico em São Borja e não seria demasiado pensar que Gildo e Teixeirinha tenham alí se apresentado, tendo acontecido algum episódio de amarga lembrança para o Teixeirinha, já que ele afirma que o Rei dos Trovadores teria tentando provocar e a resposta recebeu. Música que conta com a participação de Mary Terezinha no coro.

Foi tu que mexeu comigo

Coro:
Tem desafio vamos prá lá minha amiguinha.
Vamos rir do Gildo Freitas nas unhas do Teixeirinha


Gildo Freitas abre os ouvidos
Escute minha resposta
Não sei se gosta ou não gosta
Se não gostar tanto faz
Tua letra escutei bem
Alguma inverdade tem
Nunca provoquei ninguém
Isso é calúnia rapaz
Me chama de teu contrário
Tu pensas que eu sou otário
Não vem bancar o vigário
Na aba do meu cartaz

Tem desafio vamos prá lá minha amiguinha”.
Vamos rir do Gildo Freitas nas unhas do Teixeirinha


Gildo eu conheço o teu jogo
Queres cortar meu caminho
Eu sempre vivi sozinho
Com aquilo que deus me deu
Tu diz ser o pai da rima
Também entendo da esgrima
Não queira alcançar lá em cima
Aquilo que não é teu
Tu já no primeiro disco
Pensaste que eu era arisco
Tentou me jogar no cisco
E a resposta recebeu

Tem desafio vamos prá lá minha amiguinha.
Vamos rir do Gildo Freitas nas unhas do Teixeirinha


Eu te respondo de novo
Lá vai o que tu procuras
Petiço da perna dura
Eu boto ferro no casco
Arranco o tigre da toca
Jibóia vira em minhoca
Como pirão por paçoca
Amanso qualquer carrasco
Troco baixada por serra
Faço o sol descer na terra
Trovador macho não berra
E acabo com teu fiasco

Tem desafio vamos prá lá minha amiguinha
Vamos rir do Gildo Freitas nas unhas do Teixeirinha


Vou te ensinar Gildo Freitas
A respeitar um Teixeira
Meus fãs não são brincadeira
Prá ouvir tua ladainha
Quem me desafia é louco
Deve ter água no poço
Te faço sentar no toco
Comer cobra por galinha
Quer desafio faça a festa
Marque o dia e o que me resta
É marcar na tua testa
O nome do Teixeirinha

Para ilustrar, novamente uma montagem com as duas músicas para que, de alguma forma, imaginemos o que seria a trova a distância que muitos historiadores afirmam ter sido a relação de Gildo de Freitas e Teixeirinha através dos discos.


Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com


Gildo foi muito incisivo e agressivo em sua música e Teixeirinha foi mais ameno e tentou até fazer uma música mais cômica. Desta vez a briga foi parelha, não ouve vantagem para ninguém. Até aquele momento, a relação pessoal e profissional era amistosa, tudo sempre levado na brincadeira, mas já se tornava cada vez mais frequente as fofocas em relação ao que um pensava do outro.

A Gaúcha Milongueira

“Milonga da Fronteira” foi um dos maiores sucessos do Teixeirinha da década de sessenta, essa música é do LP “Gaúcho Autêntico”, de 1964. Nessa música Teixeirinha conta sua passagem aqui pelos lados da fronteira, na costa do Uruguai (terá sido em Uruguaiana?) onde ele encontra uma linda fronteiriça milongueira. Teixeirinha é desafiado pela Gaúcha Milongueira, desafio esse que valia o amor dessa mulher, mas Teixeirinha perde na rima para ela e aparece outro violeiro que vence na rima e conquista a milongueira com seus versos.

Milonga da Fronteira

Atravessei a fronteira por eu ser bom violeiro
Conhecer mais um pedaço do meu torrão brasileiro
Na costa do Uruguay fiz milonga no terreiro
E uma fronteiriça linda me chamou de milonguero

Respondi pra fronteiriça não sou milongueiro não
Eu só toco está milonga que eu diz de prevenção
Só para ver se conquisto o seu meigo coração

Ela foi me respondeu porque se és cantador
Eu também sou milongueira no violão tenho valor
Vamos fazer um desafio ganhando és merecedor
E se tocares mais do que eu será teu o meu amor

Ela pegou o violão tocou sem acanhamento
A primeira e a segunda eu fiz acompanhamento
Mas depois perdi pra ela e fiquei no sofrimento

Mas depois daquela trova por acauso aconteceu
Pra tocar com a fronteiriça outro violeiro apareceu
Isto na primeira trova a fronteiriça perdeu
Hoje ele vive com ela e quem ta sofrendo sou eu

Adeus fronteiriça linda magoaste o meu coração
Nunca mais toquei milonga no presente violão
Pois a milonga só trouxe para mim desilusão
Pois a milonga só trouxe para mim desilusão

Mudança de Estratégia

“Milonga da Fronteira” é de um LP de 1964, portanto anterior a “Baile de Mais Respeito” (1965), “A Cobra Cascavel” (1966) e “Foi tu Que Mexeu Comigo” (1968), mas Gildo de Freitas só escreveu a resposta em 1969, com a música “Resposta da Milonga”, - do LP “De Estância em Estância”.

Teixeirinha já havia usado desse recurso quando da música que respondia “Baile de Respeito”, do Gildo de Freitas. Na música “Baile de Mais Respeito”, de 1965, Teixeirinha usa como pano de fundo o “Baile no Chico Torto”, de Gildo, que era de 1963.

Mas o que teria levado Gildo a usar uma música de cinco anos antes para atacar o Teixeirinha? Como vocês viram, Gildo fazia o goLPe e Teixeirinha o contragoLPe, que acabava finalizado a peleja, deixando Gildo sem poder fazer uma nova resposta ou até mesmo um recontragoLPe.

Já tinha sido assim, em ‘Não Mexa com Quem Está Quieto”, quando Gildo provocou Teixeirinha veio e trucidou Gildo com a música “Foi Tu que Mexeu Comigo”. Portanto, não adiantava criar uma nova música com um novo assunto, pois Teixeirinha viria novamente para um contragoLPe certeiro e isso devia estar deixando Gildo irritado, pois nunca ficava com o último verso da briga.

Ao criar a música “Resposta da Milonga”, Gildo de Freitas virou o jogo e, a partir de então, Teixeirinha faria o goLPe e Gildo o contragoLPe mortal, deixando o Rei dos Trovadores com a última palavra sob o Rei do Disco.

O Outro Milongueiro

Se a intenção era encerrar uma briga e ter o último verso, Gildo de Freitas não poderia ter feito escolha melhor dentre as inúmeras composições do Vitor Mateus Teixeira. Nesses versos Teixeirinha deixou a oportunidade que faltava ao Gildo:

Trecho da música Milonga da Fronteira:

Pra tocar com a fronteiriça outro violeiro apareceu
Isto na primeira trova a fronteiriça perdeu
Hoje ele vive com ela e quem ta sofrendo sou eu


Desse modo é que entra o Gildo de Freitas na história e aproveitou a brecha que o Teixeirinha deixou:

Resposta da Milonga

O Teixeirinha um dia destes eu andei lá na fronteira
Lá adonde tu perdestes pra gaúcha milongueira,
Um lugar muito bonito, a china bonita e bela,
Só achei muito esquisito tu ter perdido pra ela.

Eu cantei lá um pouquinho e ela também cantou
Depois só nós dois sozinhos, esta história me contou
Quando o Teixeirinha veio cantei com ele e venci
Contigo dei um floreio, me entreguei, me convenci.

E hoje estou resolvida sair no mundo sem fim
Te entregar a minha vida e faça o que quiser de mim
E foi assim a história sem ofender a ninguém
Venci sobrando memória e trouxa a china também.

O Teixeira se queres ver aquela que te venceu
Tu podes aparecer mas quem manda nela é eu
Vive cheia de alegria, de contente quase louca
Se eu deixo ela passa o dia beijando na minha boca.

O desvendamento da Milonga

Gildo aproveitou, e bem, a música “Milonga da Fronteira” como pano de fundo, em uma resposta que mais parece uma provocação, bem ao estilo do Rei dos Trovadores ao Rei do Disco. Dessa feita Gildo de Freitas levou enorme vantagem, deixou Teixeirinha sem resposta e, finalmente, conseguiu encerrar um briga. Mas o Gildo de Freitas também não perdeu a oportunidade de mais uma vez se gabar de ser melhor repentista e, além de tudo, um conquistador. Certamente Teixeirinha não esperava por essa, afinal já havia passado cinco anos da gravação desta música e desta vez ele acabou provando do seu próprio veneno.

Como não poderia ser diferente, mais uma montagem com as músicas “Milonga da Fronteira” e “Resposta da Milonga”, uma trova a distância entre Gildo de Freitas e Teixeirinha.


Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com

Foram-se os anos 60

Encerra-se, assim, o ciclo das brigas da década de 60, período em que tanto Gildo de Freitas, quanto Teixeirinha, estavam consolidando suas carreiras em busca de sucesso. Teixeirinha já alçava vôos mais altos, com shows fora do Rio Grande do Sul e, além de tudo, a partir de 1965, Teixeirinha já havia se tornado estrela de cinema. Essa etapa foi claramente uma estratégia de vendas, que depois da resposta da milonga foi abandonada, pois eles já haviam conquistado seus espaços e já tinham milhares de fãs no Rio Grande do Sul e no Brasil.

O sucesso provoca a paz

Agora estamos nos anos setenta, mais precisamente em 1973, já se passaram quatro anos da última música a que pertencem as trovas a distância (“Resposta da milonga”, 1969). Mas o que teria ocorrido para haver este armistício entre Teixeirinha e Gildo de Freitas?

No caso do Teixeirinha não faltaram discos, pois ele estava gravando uma média de dois discos por ano e, no cinema, estava batendo recordes de público. Gildo de Freitas estava estabilizando sua carreira, passando a se dedicar mais à música e quase gravando um LP por ano, arrastando milhares de pessoas às suas apresentações, principalmente para apreciar suas trovas e repentes.

Justamente o estrondoso sucesso do Teixeirinha acabou por esfriar a briga, já que, em tese, quem deveria agora propor briga era o Rei do Disco, pois fora o Gildo de Freitas quem respondera por último. Para Teixeirinha já não era mais necessário usar da estratégia de “trovas a distância” com o Gildo, pois seus discos já vendiam bastante. A velha tática para vender discos havia sido deixada de lado pelo Rei do Disco.

Do lado de Gildo de Freitas, era interessante ficar quieto para não cair em contradição, pois na música “Não mexa com quem está quieto” ele pedia para não ser provocado e, portanto, não gravou mais nenhuma música em provocação ao Teixeirinha.

Mas mesmo com o sucesso em Porto Alegre e no interior, em bailes, rodeios, shows e programas de rádio, Gildo de Freitas não se entusiasmava para gravar LPs com mais frequência. Certa vez a gravadora Continental teve que trazer os equipamentos para realizar a gravação em Porto Alegre, pois o Gildo se recusou a ir a São Paulo porque não teria gostado da forma como foi tratado na capital paulista em outras gravações.

Algumas testemunhas relatam que nesse período de 1969/1973, as fofocas foram o meio de fustigar a briga, pessoas ligavam para a casa do Gildo para dizer que em tal apresentação ou programa de rádio o Teixeirinha havia falado mal dele e, da mesma forma, os ‘fofoqueiros’ faziam em relação ao Teixeirinha, ligando para a casa dele e relatando as supostas provocações que o Gildo teria feito. Mas nada que levasse Gildo de Freitas e Teixeirinha a reiniciar nos discos as brigas, afinal eles sempre mantiveram uma relação fraternal e de muito respeito.

Teixeirinha volta a atacar!

O ano é 1973, o disco “O Internacional”, que não era dedicado a nenhum clube de futebol, até porque Teixeirinha era Gremista, e este disco possuía músicas que exaltavam cidades como a música “Passo Fundo do Coração” e “Capão da Canoa”. Mas a música que vamos analisar é Relho Trançado. O que teria levado Teixeirinha determinar o fim da trégua e agora levantar em armas?

Relho Trançado

Um mau elemento me desafiou
Decerto não sabe ainda quem eu sou!
Me pediu resposta,aqui eu estou,
Esperando a briga que tu me marcou!

Tu sabe onde eu moro e por onde eu passo,
A raça que eu tenho e a força do braço.
Traz o teu trabuco e as balas de aço,
Tu erras os tiros e eu te passo o laço!

Meu relho trançado eu carrego comigo
É a arma que eu tenho prá fraco inimigo!
Tu puxa o trabuco e eu vou no perigo
E marco o teu lombo no sistema antigo.

Velhinho ordinário, tu já é arroz,
Pelo teu recado o filho vem depois!
Eu conheço a tropa e o mugir dois bois
Traz o filho junto, que eu bato nos dois!

Cão que muito ladra não morde ninguém
Quem manda recado é certo que não vem!
Mas, se acaso vier, já me preparei bem:
Meu relho trançado muita fama tem!

Tu, antes de vir, compra a uma gamela,
Ponha sal bem grosso e água morna nela
Prá salgar teu lombo, também as canela,
Depois cala a boca, língua de tramela!

Ao ler estes versos, a única certeza que se tem, é a de que essa música não era para Gildo de Freitas. Muitas pessoas erroneamente ainda insistem que “Relho Trançado” faz parte das músicas em que Teixeirinha provoca Gildo de Freitas. Estas pessoas usam como argumento o simples fato que o Gildo respondeu a música e logo seria dedicada a ele, mas isso não pode ser encarado como um argumento definitivo. Para contrapor essa tese vamos aos fatos.

“Um mau elemento me desafiou”

Em seus LPs e em suas trovas Gildo de Freitas não desafiou Teixeirinha após 1969;

“Traz o teu trabuco e as balas de aço,
tu erras os tiros e eu te passo o laço!”

Gildo de Freitas jamais teve música nenhuma onde ele falasse em trabuco e balas de aço;

“Velhinho ordinário, tu já é arroz,
pelo teu recado o filho vem depois!”

Gildo, em 1973, tinha 54 anos e não era um velhinho e também não envolveria seus filhos numa briga, até porque nem eram muito ligados às músicas e, também, atentem que Teixeirinha nessa época estava com 46 anos, portanto não era lógico o Rei do Disco chamar o Rei dos trovadores de velho, já que a diferença de idade era pouca.

Mas a pergunta que fica, se a música não era para Gildo de Freitas, para quem era então?

Hoje, passados muitos anos, fica muito difícil saber, sem ter vivido a época e compreender o contexto, somente com muito estudo e falando com pessoas que viveram e conviveram com os personagens envolvidos. Certa feita, em e-mail à fundação Teixeirinha, esta não soube responder para quem teria sido as músicas “Relho Trançado” e “Facão de Três listras”. O próprio editor do Blog Revivendo Teixeirinha, Chico Cougo, que há muitos anos está pesquisando profundamente a vida e a obra do Teixeirinha, também nunca chegou a uma conclusão definitiva a respeito.

Uma das únicas pessoas capazes de saber é Mary Terezinha, mas isso nunca foi pauta de qualquer entrevista que já tenha sido feita, e ela também faz questão de esquecer e esconder sua trajetória ao lado do Teixeirinha.

Para aqueles que imaginam para quem teria sido essa “provocação”, é bom pensar quem eram os músicos da época, não só do Rio Grande do Sul, mas do Brasil inteiro, pois o trabalho do Teixeirinha já repercutia no Brasil inteiro e se isso foi publicado em disco há boas chances de ainda haver esse registro fonográfico.

O Rei dos Trovadores de volta a peleja!

Gildo de Freitas teve que esperar dois anos para gravar a “Resposta do Relho Trançado”, já que não gravou nenhum LP em 1974. Esse fato ocasionou uma questão muito importante, que muitas pessoas ignoram.

Antes de Gildo de Freitas gravar a “Resposta do Relho Trançado’, Teixeirinha já tinha gravado em 1974, o disco ”Facão de Três Listras”. Por isso que no LP “Gildo de Freitas E Seus Convidados” (1975), continha as duas respostas, do Facão, que era faixa um do lado A, e do Relho que era faixa um do lado B.

Esse disco é curioso, pois as demais músicas do disco eram cantadas pelos irmãos Vargas, apesar da maioria ser de autoria do Gildo de Freitas, mas ele canta somente as duas respostas.

Mas vamos tratar somente da “Resposta do Relho Trançado”, que até pode ter sido composta já em 1974 e ter sido cantada nas suas apresentações, mas só foi gravada em LP em 1975.

Resposta do Relho Trançado

Olha gaúcho, esse relho-trançado
Que você pôs numa gravação
Todo mundo pensa que é pra mim
Você na carta me disse que não
Se eu fosse tu, eu dizia o nome
Abertamente, quem é esse homem
Tirava o povo dessa confusão

Se é de fato, imaginação
Estais provando que não é decente
Todo o poeta na inspiração
Expande em rima o que a alma sente
Estás trovando as tuas qualidades
E demonstrando que tu tem vontade
De agarrar a fama de home valente

Nosso programa tem muito valor
O povo escuta todos os dias
Nós já nascemos com esta missão
De transmitir, pro povo, alegria
E o bom artista não tem inimigo
E esse povo todo é nosso amigo
É muito feio arrotando a lentilha
-"Não faz fiasco vivente"

Tu deves dar é graças a Deus
Por ter nascido com esse dom da rima
Não é com reio, não é com facão
Que esse povo te adora e te estima
Eles te querem por seres cantor
No sacrifício planta-se está flor
Estás querendo pisotear por cima

Você agarra este reio trançado
E dê pra outro que se garante
E reconheça que tu foi errado
E que na letra foste ignorante
Acho melhor aceitar o meu conselho
Porque um artista de facão e reio
É mau conselho para o estudante

Esta resposta, serve de conselho
De um índio grosso criado em campanha
Um homem nunca se ameaça o reio
Quem ameaça quase nunca ganha
O inimigo que é ameaçado
Ele espera o outro preparado
Quem vai surrar quase sempre apanha
- Não alerta o leão que ta dormindo vivente.

Gildo adotou nessa música uma postura amena, tentando convencer o Teixeirinha a depor as armas e não mais brigar. E também prova que a música “Relho Trançado” não era para Gildo de Freitas. Não bastasse isso, Gildo reconhece as qualidades de Teixeirinha e em nenhum momento faz qualquer desfeita ou trata com ironia o trabalho ou a conduta de Teixeirinha.

“Todo mundo pensa que é pra mim
você na carta me disse que não”

Pois o povo já estava fazendo intriga e fuxico para os dois maiores nomes da música do Rio Grande do Sul voltassem a brigar nos discos e que levou até o Teixeirinha escrever uma carta para o Gildo negando que a música tivesse sido pra ele.

“Porque um artista de facão e reio
é mau conselho para o estudante”

Aqui mostra que quando o Gildo escreveu essa música, Teixeirinha também já havia gravado “Facão de Três Listras”, e o mau conselho serve de referência a um antigo sucesso do Teixeirinha “Hino dos Estudantes” de 1961.

“- Não alerta o leão que ta dormindo vivente.”

Essa certamente faz lembrança que ele, Gildo passou seis anos sem gravar nada ao Teixeirinha e que o Rei do Disco estava acordando o leão, Rei dos Trovadores.

Este capítulo não foi um artigo sobre a briga do Teixeirinha com o Gildo, mas para tentar esclarecer a todos que dessa vez não foi provocação. É bem como disse o Gildo de Freitas:

“Se eu fosse tu, eu dizia o nome
abertamente, quem é esse homem
tirava o povo dessa confusão”

Certamente continuaremos a pesquisa até um dia realmente saber para quem foi a música “Relho Trançado”. No próximo capítulo discutiremos a música “Facão de Três Listras” e, nesse capitulo, teremos um novo personagem que talvez explique a origem do Facão e desde já informo que é um personagem que permaneceu oculto nos últimos trinta anos.

O Facão do Teixeirinha

Se de fato o “Relho Trançado” não era para Gildo de Freitas da mesma forma devemos encarar o “Facão de Três Listas” gravado no LP “Última Ginetiada” de 1974.

Na música, Teixeirinha afirma que o “velho” e o “filho” vieram na briga e ele deixou marcado, portanto mais uma prova que o “Relho Trançado” não era para Gildo de Freitas. Mas vamos tratar do facão.

Facão de Três Listas

Eu mandei fazer no ano passado
Um facão três listra aço temperado
Pra fazer parelha com relho trançado
Por que novamente fui desafiado
Agora é um outro do pelo mais duro
Esse não é velho é um cara maduro
Diz que vem armado pra brigar seguro
O que eu faço nele pros meus fãs eu juro
O relho por cima e o facão por baixo
E esse cara macho corto a laço e furo

O velho e o filho do relho trançado
Vieram na briga e eu deixei marcado
Calaram a boca com o lombo coçado
Agora é a vez do meu facão listado
Esse outro cara é mais macho e tem crista
E ele quem se gaba, bom propagandista
Diz que atira bem e não é curto de vista
Ele é valentão e eu sou repentista
Meu relho te pega corta e abre rombo
Estréio em teu lombo meu facão três listado

Eu vou bater forte na hora da briga
Te marco nas costa e ponteio a barriga
Tu, é ordinário e deus não me castiga
O facão te pega e de mim tu desliga
Pra marca do relho recomendo sal
Pra marca do três lista é outro material
Põe erva de bicho que é medicinal
Ou procure a porta de algum hospital
Valentão que eu pego chora e me obedece
E jamais esquece o facão especial

Guardei teu recado e a tua proposta
Respondo cantando não sei se tu gosta
O que me interessa é te dar a resposta
Depois te marcar com três listas nas costas
Quem manda recado jamais eu esqueço
Quero que anote o meu endereço
Eu moro na glória e medo eu não conheço
E sabe os lugares onde eu apareço
Meu facão três lista no dia se solta
E mando de volta com couro do avesso.

O que novamente serve como argumento para afirmar que “Facão de três listas” não é para Gildo de Freitas é que não há na discografia do Gildo nenhuma música gravada que pudesse ser uma provocação ao Teixeirinha por volta dos anos de 1972, 1973 e 1974.

Por que novamente fui desafiado

Gildo de Freitas não desafiou Teixeirinha.

“Diz que atira bem e não é curto de vista”

Em nenhuma música da época Gildo trata deste tema.

“Guardei teu recado e a tua proposta
respondo cantando não sei se tu gosta”

Não ouve recado e nem proposta por parte do Gildo. Mas se não era para Gildo de Freitas, para quem seria a música “Facão de Três Listas”?

O Gaúcho dos Pampas para o Brasil

O título se parece muito com o nome de algum LP do Teixeirinha. Com músicas como “Burro Picaço” e “Deixando o Rio Grande”, Rodrigo (cujo sobrenome é desconhecido, pois no LP onsta somente seu pré-nome) em meados da década de setenta construía sua carreira plagiando as músicas do Teixeirinha. Já não bastasse isso ele copiava sem descaramento os nomes de LPs do Teixeirinha.

Natural de Santa Maria, Rodrigo fez seu nome em Pelotas, onde matinha, nos anos 70, um programa de rádio. Mas não era só com Teixeirinha que ele arrumou briga, teria contra si a ira de alguns aspirantes a músicos que ele prometia colocar no disco, mas jamais cumpria apesar de recebido para isso.

E ele tinha uma estratégia, se na sexta-feira Teixeirinha se apresentaria em Caxias do Sul, por exemplo, o Rodrigo com seu repertorio plagiado se apresentava na mesma cidade na quarta e talvez na quinta-feira, mas já preparando a fuga da cidade para não se encontrar com Teixeirinha.

Reza a lenda que, numa certa feita, Teixeirinha tentou desmascarar o tal Rodrigo em Passo Fundo e chegou a tentar encontrá-lo em um hotel, provido, na mão esquerda, do famoso facão e na direita do relho, mas covardemente o plagiador teria fugido por uma janela, mas isso é lenda e carece de maiores provas.

Abaixo segue a letra da música “Defeito de Dois Gaúchos” do Rodrigo . Trata-se de uma música cujo dois personagens são nada mais e nada menos do que Gildo de Freitas e Teixeirinha.

Pela primeira vez temos a comprovação que as supostas brigas entre Teixeirinha e Gildo de Freitas continham mais personagens que por razões desconhecidas permaneceram até agora ignorados.

Defeito de Dois Gaúchos

Composição: Rodrigo
Álbum: Gaúcho dos Pampas para o Brasil

Lá no Rio Grande têm dois Gaúchos
E todos eles bom compositores
Só que o primeiro é simples demais
É educado e têm muito valor
E o segundo é mui egoísta
E além disso é exaltador
E se comparara ao rei do Rio Grande
Tu és um louco e pensa que é doutor
-Pra ser doutor têm que ter diploma da medicina índio velho!

Este primeiro que eu estou falando
Além de tudo é mais repentista
Quando ele canta para sua platéia
Faz amizade e o povo conquista
É mais Gaúcho e têm mais pureza
Canta bonito e com sinceridade
Aonde chega cria bons amigos
E vai embora deixando saudades

São dois gaúchos crias do Rio Grande
Aonde canta tudo mundo aceita
Só têm um deles que eu não digo o nome
Mas o bom mesmo é o Gildo de Freitas
É homem humilde mas porém sincero
Trata os seus fãs com delicadeza
E não é falso para os seus amigo
É um dom que trouxe de natureza

Porém o segundo eu não digo nada
Mas vou lhe dar uma satisfação
Pois tu pergunta pra o Gildo de Freitas
Meu endereço está em sua mão
Faço amizade com gente honesta
Nunca cai em contradição
Meu nome é Rodrigo para os colegas
Mais um gaúcho de tradição

O defeito do Gildo!

Pois então, o Rodrigo para provocar Teixeirinha, fez a exaltação do Gildo de Freitas e existem algumas razões para tentar compreender o fogo cruzado que se tornou essa guerra de rimas.

E além disso é exaltador
(Defeito de Dois Gaúchos - Rodrigo)

E ele quem se gaba, bom propagandista
(Facão de Três Listas – Teixeirinha)

Pois tu pergunta pra o Gildo de Freitas
Meu endereço está em sua mão

(Defeito de Dois Gaúchos- Rodrigo)

Quero que anote o meu endereço
Eu moro na glória e medo eu não conheço
E sabe os lugares onde eu apareço

(Facão de Três Listas – Teixeirinha)

Existem alguns versos que permitem finalmente imaginar que o possível alvo do Teixeirinha seja de fato o Rodrigo, principalmente no verso “Sabe os lugares onde eu apareço” possível alusão à estratégia do Rodrigo de fazer apresentações um ou dois dias antes na cidade aonde Teixeirinha iria se apresentar.

Mas, evidentemente, que existiram muitas coisas na música “Facão de Três Listas” que não se refletiram no “Defeito de Dois Gaúchos”, mas alguns versos podem ser fofocas e, quem sabe, apresentações ao vivo. E não se pode se descartar que haja mais músicas do Rodrigo para provocar Teixeirinha.

Faço e não digo e tu diz e não faz

Mais uma vez, Gildo de Freitas volta a contra-atacar, e seguindo o mesmo tom da “Resposta do Relho Trançado”, Gildo não ameaça Teixeirinha com nenhuma arma. Tal como a “resposta do relho trançado” a música “resposta do facão de três listas” pertence ao LP “Gildo de Freitas E Seus Convidados” de 1975.

Resposta do Facão Três Listas

Há uma história de um facão três listas
Que um artista pôs em gravação
Dizendo ele ser homem valente
Linha de frente com aquele facão
Já fez até um relho trançado
E preparado pra brigar bastante
Diz que peleia e é metido a guapo
É bate papo desse ignorante.
-Háhá! É conversa fiada, barulho
de prato não é comida vivente.

Eu não peleio, mas cantando eu ripo
Homem do teu tipo não dá peleador
Nem a facão,com relho ou a bala
Tipo desse iguala só dá falador.
Não tenho medo de facão três listas
E nem tão pouco do relho trançado
Eu levo a vida como um bom artista
Nasci com calma e nem sou assustado.
-Háhá! Depois da tempestade vem calmaria vivente.

Gritar no rádio não é ter topete
É só manchete pra fazer banzé
Acha que a briga é muito bonita
Prende-lhe o grito e não diz tu quem é.
Até meus fãs pensam que é comigo
Se for eu digo que estou sempre às ordens
Em pensamento não mato e nem morro
E o cachorro que late não morde.
-Háhá!Todo guaipeca é barulhento.

Eu tenho medo é da tua coragem
Pela bobagens de fazer cartaz.
Que eu sou gaúcho do sistema antigo
Faço e não digo e tu diz e não faz.
E eu não quero é que me ameace
A minha classe com o teu modelo
Eu me criei lidando com facão
E amanso um leão passando a mão no pêlo.
-É isso aí, e o bichinho termina se
entregando que trabalha até em circo.

Peço a meus fãs não se preocuparem
E nem encarem essa facão três listas
Porque meus versos servem de conselho
Eu tiro o relho e o facão do artista.
Só tiro as armas, mas não bato nele
Só digo a ele não fazer de novo,
Faz que nem eu que canto e não brigo,
E sou amigo de todo esse povo.
Faz que nem eu que canto e não brigo,
E sou amigo de todo esse povo.

Gildo de Freitas, além de chamar Teixeirinha de ignorante, ainda fala que Teixeirinha só que fazer cartaz com esse papo de facão e relho. Apesar de tentar fazer Teixeirinha largar as armas, Gildo de Freitas - como não poderia ser diferente - se coloca à disposição para um confronto com Teixeirinha. E, de fato, as músicas que viriam a dar prosseguimento a essas disputas de versos refletem que ouve um recrudescimento na amizade desde então.

Para quem era o Facão?

Mas o que percebemos claramente é que, mais uma, vez a música “Facão de Três Listas” do Teixeirinha não teve como alvo Gildo de Freitas, entretanto não há convicção de que tenha sido para o Rodrigo, todavia, evidentemente é uma grande possibilidade que seja para ele a música.

É muito interessante essa música do Rodrigo “Defeito de dois gaúchos” que dá uma visão diferente sobre as brigas de versos entre Gildo e Teixeirinha, que não se resumiam somente a eles. Teixeirinha tinha muitas razões para escrever um “facão de três listas” para o Rodrigo, afinal o sujeito além de plagiar músicas, nomes de discos ainda atacou o Rei do Disco na música “Defeito de Dois Gaúchos” de forma bem agressiva.

O fim da amizade

Começamos com uma curiosidade, a música “Meu Ex-Amigo” está no mesmo LP do “Facão de Três Listas” que é do álbum “Última Ginetiada” de 1974 (mesmo LP onde foi gravada a homenagem póstuma do Teixeirinha para José Mendes, que é a música Alma Penada).

Portanto pouco antes do Gildo responder o “relho” e o “facão”. Se antes dessa música o fim da estratégia de vendas - que era a guerra de rimas entre o Gildo de Freitas e Teixeirinha - poderia ser creditado ao sucesso especialmente do Teixeirinha, podemos também supor que já houvera um rompimento entre eles. As fofocas e intrigas poderiam ter minado definitivamente a amizade deles, já a partir de 1971. E a partir de então a guerra de rimas passaria a ser de verdade. Fiquem com letra

:

Meu Ex-Amigo

-É verdade ex-amigo
a dor ensina a gemer
por isso que agora eu canto assim.

Meu ex-amigo lamenta
Por não ter minha amizade
Do nosso tempo de amigo
Anda chorando a saudade
Fui teu amigo sincero
Mas tu não foi de verdade
Ouviste estes dois mentirosos
Me faltou com a lealdade
Preferiu meus inimigos
Não foi meu amigo
E me fez falsidade

Amigo, fui teu amigo
Dei-lhe amizade sincera
Mas preferistes aqueles
Que meus amigos não eram
Com aqueles dois chantagistas
Me preparaste uma espera
Eu não cai porque a tempo
Desconfiava da fera
Eles também te traíram
Pra sempre sumiram
Não te consideram

Meu ex-amigo hoje chora
Minha amizade não têm
No dia que me traíste
Magoado eu chorei também
Amigo que valeu ouro
Ficou valendo um vintém
Judas traiu por dinheiro
Cristo nasceu em Belém
E morreu crucificado
Por ter confiado nas falsas de alguém

Refazer a nossa amizade
Sei que tu tens esperança
Embora eu já perdoei
O teu papel de criança
Não posso ser mais amigo
Não tenho mais confiança
Uma amizade sincera
Pesa muito na balança
Tua amizade eu não peço
Só canto estes versos
Que vai por lembrança

Vamos a analise de alguns versos:

“...Ouviste estes dois mentirosos
Me faltou com a lealdade
Preferiu meus inimigos...”

“...Mas preferistes aqueles
Que meus amigos não eram
Com aqueles dois chantagistas...”

Aqui não resta a dúvida que os dois mentirosos e os dois chantagistas podem ser o “velho e o filho” da música Relho Trançado. E o Teixeirinha acusa o Gildo de Freitas de ter se aliado a eles para armar algo contra si.

“...Eles também te traíram
Pra sempre sumiram...”

Seja que tenha sido, aparentemente sumiram da mídia de então. Fica aqui, mais uma vez, a curiosidade de saber que eram estes dois personagens que, além de tudo, teriam traído Gildo de Freitas.

Mas a música decreta pelo lado do Teixeirinha o rompimento da amizade que começou lá em meados de 1955. De início, Gildo é quem possuía mais cartaz, mas Teixeirinha conquistou seu espaço, e o sucesso foi gigantesco nos anos 60, quando mantiveram a guerra das rimas como estratégia de marketing. Os anos passaram e, depois de 20 anos de uma amizade sincera e que o próprio Teixeirinha na música disse:

- Amigo que valeu ouro

E que acaba na mesma música: também afirmando.

- Ficou valendo um vintém

Gildo não enjeita proposta

Gildo de Freitas não respondeu “Meu –Ex-Amigo” de forma direta, ele já havia tentado no disco entender o “Relho Trançado” e o “Facão de Três Listas” que, apesar do Teixeirinha negar que tenha sido para ele, o povo todo do Rio Grande do Sul acabou consagrando Gildo de Freitas como o alvo do Teixeirinha, e as fofocas e intrigas estavam sempre minando a relação dos dois. A participação ao vivo em programas de rádio, fomentavam isso, afinal isso era sempre assunto e qualquer afirmação de um era levada pelas pessoas aos ouvidos do outro, mas sempre na forma de aumentar o desgaste da relação entre os dois, pois o povo sempre quer briga.

Em 1975, Gildo de Freitas lança o LP "O Ídolo", onde ele gravou a música “Não Enjeito Proposta”. A música é um desafio público que o Gildo propõe a Teixeirinha.

Não Enjeito Proposta

Eu tenho pena é desse coitadinho
Que anda dizendo que é trovador
Vamos nós dois trovar numa praça
Pra o povo ver quem tem mais valor.
É só você marcar o local
Nós apostamos um bom capital
E o povo todo é nosso julgador.

Tu apresenta o teu repentismo
Depois eu entro apresento o meu
Depois eu canto o que eu escrevi
Tu também canta o que escreveu.
Depois trovemos versos de seis linhas
A tuas rimas bate contra as minhas
E o povo nota que é que perdeu.

No desafio eu te faço proposta
Arruma um outro que tenha cartaz
Respondo todas as perguntas no verso
Que em conjunto tu e ele faz.
Um de nós três vai gozar depois
Se eu perder pra vocês os dois
Eu entrego o cargo e não trovo mais.

Certas bobagens que andas dizendo
É pura inveja do Gildo de Freitas
Eu tenho a cara de homem sincero
E uso ela conforme foi feita.
E a tua cara de uma forma elástica
Já fez até uma operação plástica
E nem assim a cara não se ajeita.

Caso de briga eu não respondo mais
E o povo todo sei que não repara
Por que já sabe que és de bate papo
Tu teoriza e depois dispara.
Já estes dias um gaiteiro teu
Algo com ele aconteceu
E te sentou-lhe um cinzeiro na cara

Nem te alembraste do facão três listas
E nem tão pouco do relho trançado
Tu te lembrou de chamar recurso
Já deste prova de homem assustado.
Ele acertou por tu não ter destreza
Pra que então que arrotas as grandezas
E depois fica de couro marcado.
-É isso aí cabloco, não convém gritar muito

Essa música se tornou uma espécie de hino a todos os fãs do Gildo de Freitas em se tratando das músicas relacionadas às brigas com Teixeirinha. Uma música escrita e interpretada sempre em tom de desafio, querendo finalmente brigar de verdade, mas nas rimas. E, se não bastasse somente o Teixeirinha para rival na rima, Gildo ainda propôs que o Rei do Disco arranjasse outro que tivesse cartaz que ele, Gildo de Freitas, respondia tudo nos versos e, se por acaso perdesse, ele se aposentava, isso só para demonstrar porque ele era conhecido como o Rei dos Trovadores. Não deixa ainda de comentar sobre uma cirurgia plástica que Teixeirinha tinha feito e que mesmo assim a cara não se ajeitava.

“...Caso de briga eu não respondo mais
E o povo todo sei que não repara
Por que já sabe que és de bate papo
Tu teoriza e depois dispara.
Já estes dias um gaiteiro teu
Algo com ele aconteceu
E te sentou-lhe um cinzeiro na cara...”

Além de dizer que Teixeirinha, nas músicas, era só bate papo e na hora da briga ele disparava, Gildo lembra que um gaiteiro (Ademar Silva) do Teixeirinha acertou um cinzeiro na cara do Teixeirinha e ele, nessa hora, não teria feito uso nem do Facão, tão pouco do Relho. E o Gildo para finalizar ainda crava:

“...Pra que então que arrotas as grandeza
E depois fica de couro marcado...”

De fato, temos que lembrar, nas músicas, que Teixeirinha exaltava sua habilidade com o facão e com o relho, mas quando a briga foi de verdade, ficou com o couro marcado. Das músicas gravadas em discos, foi sem dúvida a mais agressiva de todas, tanto da parte de Gildo quanto da parte de Teixeirinha. Ainda nos dias hoje alguns fãs de Gildo de Freitas que odeiam Teixeirinha elegeram essa música como um símbolo dessa briga.

Das armas para as rimas.


Em “Meu Ex-Amigo”, Teixeirinha abriu mão das armas para fazer um desabafo público sobre o fim da amizade dele com o Gildo de Freitas. Além da letra de “Ex-amigo” ser em tom de desabafo, a própria interpretação de Teixeirinha o mostra lamentando o rompimento, mas em nenhum momento deixa de afirmar que a amizade deixou de existir por causa de uma traição, cujos protagonistas são até hoje desconhecidos de todos nós. O que teria levado Teixeirinha a acreditar que o Gildo teria se aliado a eles? E se foi verdade, o que teria levado Gildo de Freitas a se unir aos “chantagistas” para armar para cima do Teixeirinha? São dúvidas para as quais, infelizmente, não existem respostas. Mas não deixa de ser interessante que, naquele rompimento, Teixeirinha não proferisse na música nenhuma ameaça e nenhum desafio, apenas acusações de traição.

Gildo de Freitas jamais se referiu a essa música e tão pouco aos dois “chantagistas” ou ao “velho e o filho” em suas músicas. Gildo adotou um estilo mais agressivo, tática que ele já havia imposto na música “não mexa com que está quieto”, junto, claro, com o tom de desafio, mostrando que ele sempre estava pronto para o duelo das rimas e também físico.

De todas ao músicas gravadas em LPs de Gildo de Freitas e Teixeirinha, que são consideradas pertencentes a guerra de rimas, as duas únicas que são verdadeiras (que refletem o sentimento de um em relação ao outro) e não são de brincadeira, tão pouco fazem parte da estratégia de vendas, são “meu ex-amigo” e “não enjeito proposta”. Nesse período, de 1974 até 1977, eles permaneceram “inimigos” tanto publicamente (isso foram toda a carreira, mas como marketing), mas agora também no lado pessoal. A seguir a letra da música "Cachorro Velho", lançado em um compacto simples em 1976.

Cachorro Velho
(Teixeirinha)
Falado:
“O facão e o relho trançado não tinha sido pra ele
mas a carapuça lhe serviu
então agora é e mais essa também”

Estribilho:
Te desrecalca cachorro
cachorro velho recalcado
Anda rosnando o meu nome
parece que está com fome
Pedindo o relho trançado


- Ora, se ainda havia duvidas agora não há mais.Relho Trançado e Facão de Três Listras não foram dedicadas para Gildo de Freitas, portando podem procurar outras vitimas para o Facão e para o relho trançado, uma delas até pode ser o Rodrigo que plagiava as músicas do Teixeirinha.

Matei um porco deu cinco latas de banhada
E o espírito desse porco até hoje me acompanha
Como arroz enquanto ele como a rapa

Eu não vou bater de relho quem eu posso dar de tapa Falado: “Ex-amigo ele não respondeu e aquela foi pra ele” ·


Pois veja, a música “Meu Ex-Amigo”, que algumas pessoas recusavam a idéia de que era para o Gildo de Freitas, mas ai está a prova que de fato era para o Rei dos Trovadores. Mas, talvez o que Teixeirinha não tenha compreendido, é que o Gildo de Freitas, mesmo de maneira superficial, respondeu e logo abaixo vocês vão entender.

Te desrecalca cachorro
cachorro velho recalcado
Anda rosnando o meu nome
parece que está com fome
Pedindo o relho trançado
Ouvi um disco
Pensei ser alguém cantando
A voz mais feia do mundo
Parece um gato miando
Fraco inimigo põe a cara no espelho
E repara quem és tu
Pra vir responder meu relho
Falado: “quem mexe comigo tem que agüentar as pontas”


Só Gildo de Freitas respondeu o Relho Trançado e o Facão de Três listras e ainda ofende o Gildo afirmando que ele não possui voz para cantar e gravar.

Te desrecalca cachorro
cachorro velho recalcado
Anda rosnando o meu nome
parece que está com fome
Pedindo o relho trançado
Sei que o meu povo vai me criticar bastante
Por eu estar respondendo para um sujeito ignorante
Se respondi foi pra sair da rotina
E tirar mais uma pena
Dessa ave de rapina


Para muitos ignorante é sinônimo de grosso e, quatro anos depois, Gildo de Freitas lançou seu maior sucesso, “Eu Reconheço que Sou um Grosso” assumindo no disco sobre o que ele aqui era acusado. E, além de "cachorro", Teixeirinha ainda fala em "ave de rapina".

Te desrecalca cachorro
Cachorro velho recalcado
Anda rosnando o meu nome
Parece que está com fome
Pedindo o relho trançado
Vai te deitar vinagre

O Rompimento

Não houve armas e nem ameaças físicas, mas foram, sem dúvida, as músicas que retratam o rompimento entre Gildo de Freitas e Teixeirinha. São as duas músicas que mais agridem um ao outro, tanto Teixeirinha com “Cachorro Velho”, quanto Gildo de Freitas e sua “Resposta do Cachorro Recalcado”. São tão fortes e agressivas que a música do Teixeirinha nem foi gravado em um LP normal como vinha acontecendo com as provocações ao Gildo, e a resposta do Gildo foi limitada as suas apresentações em rádios e bailes, para gáudio de seus fãs.

Gildo até tentou emplacar “Resposta do Cachorro Recalcado” em um disco, mas teria sido vetado pela gravadora Continental (que havia adquirido a Chantecler) que na época também era a gravadora do Teixeirinha. Por isso, talvez, Gildo tenha ficado de 1976 a 1979 sem gravar nenhum disco, enquanto o Teixeirinha gravou seis, revezando entre as gravadoras Continental, Chantecler e Copacabana. Possivelmente pode ter sido até a influencia do Teixeirinha para o Gildo não gravar, afinal para essas gravadoras era mais interessante, do ponto de vista comercial, manter o Teixeirinha em seu catálogo do que prestigiar o Rei dos Trovadores.

Resposta do Cachorro Recalcado
(Gildo de Freitas)

Quando tu era pelado
Eu sempre fui teu amigo
Tua esposa é testemunha
Destas palavras que eu digo
Só depois que enriqueceste
Ficaste meu inimigo
E arrota tantas grandezas
Que me força a natureza
A de um dia pelear contigo

Por volta dos anos 50 Teixeirinha foi muito ajudado pelo Gildo de Freitas, pois quem possuía mais cartaz na época era o Rei dos Trovadores.

Até por cachorro eu passo
Mas a resposta não corro
Nem de vergonha não morro
Descansa não tem perigo
Que eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro
Eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro

O Gildo de Freitas não perde uma. Através de uma simples inversão de palavras, transforma ele em Cachorro Amigo e o Teixeirinha em Amigo Cachorro. Era bom esse Gildo de Freitas!

Eu nunca vi um maneta
Poder dar tapa em alguém
E talento de poeta
É cosa que tu não têm
E além de faltar talento
Farta educação também
A sorte é a companheira
Que Deus te deu por gaiteira
Se não não eras ninguém

Muitos detratores do Teixeirinha dizem até hoje que uma das maiores razões para o sucesso dele foi a sua acordeonista Mary Terezinha e também não deixam de fazer observações sobre as razões que levaram a Mary a abandonar Teixeirinha para viver com Ivan Trilha pois ela além de ser supostamente agredida ainda nunca obtivera o merecido reconhecimento por parte do grande sucesso que Teixeirinha obtivera, de certa forma Gildo de Freitas faz esse reconhecimento.

Até por cachorro eu passo
Mas a resposta não corro
Nem de vergonha não morro
Descansa não tem perigo
Que eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro
Eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro


(Falado) Vai em embora
“Coisa bem boa é um cachorro de confiança”
Outra volta
“O Cachorro de confiança enlouquece não morde o dono”

Se eu sou um gato miando
Ai vai a resposta minha
Cada miou é uma rima
Sem sair fora da linha
Eu sou um gato de rico
Tratado no mais puro mimo
Sou um bicho de fino trato
Abre o olho com este gato
E cuida bem tua gatinha


(Falado) Vai cuida do bichinho ai!
Estes gatos tratado tem a unha que chega a ser dobrada
Vamo mais uma volta gaiteiro

Gildo tirou essa de letra (de ter a voz de um gato miando) e ainda mandou recado para o Teixeirinha cuidar da Mary Terezinha.

A Tua idéia de adulto
Tá voltada para infância
E a minha idéia com a tua
Merece muita distância
Porque tu troca amizade
Pela malvada ganância
Eu tenho que ter paciência
Misturar a inteligência
Com a tua ignorância


É aqui mais uma vez a questão do dinheiro, coisa que o Gildo já havia cantado na música “Abre o Olho Amigo”

Até por cachorro eu passo
Mas a resposta não corro
Nem de vergonha não morro
Descansa não tem perigo
Que eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro
Eu sou um cachorro amigo
E tu amigo cachorro

As Mordidas

Mas o que aconteceu para que Teixeirinha atacasse Gildo de Freitas como atacou na música "Cachorro Velho"?

A resposta não está no disco, apesar do desafio que o Gildo fez ao Teixeirinha na música “Não Enjeito Proposta” e o próprio Teixeirinha já havia respondido na música “Meu Ex-Amigo”, dado fim na amizade entre ele e o Gildo. Nas apresentações em rádio, shows e bailes, era comum Gildo mandar recados ao Teixeirinha e, na própria noite onde, pela primeira vez, Gildo de Freitas apresentou a música “Resposta do Cachorro Recalcado”, na Rádio Metrópole, ele também dedicou outra música ao Teixeirinha - música que nunca antes fora incluída na lista de músicas de Gildo de Freitas dedicadas ao Rei do Disco - que foi “Abre o Olho Amigo”.

Primeiro ouçam o que o Gildo fala sobre amigo:


Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com


Se Teixeirinha cobrou uma resposta à música “Meu Ex-Amigo”, a resposta foi “Abre o Olho Amigo”.

Abre o Olho Amigo

-É isso rapaziada
vamo fala um pouco da vida alheia
abre o olho com amigo falso
eu que sei o que quero.

Se você hoje encontrar um conhecido
Sem grana desprevenido ali já um perigo
Porque ele chega lhe tratando com carinho
Depois lhe diz baixinho: -Me defende meu amigo
Naquela hora o senhor serve o parceiro
Ele gasta o dinheiro que pra ele tanto faz
As vezes volta quando o tipo é descarado
Não paga o emprestado e ainda lhe pede mais

Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo
Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo

-É isso mesmo, têm nada não, eu sei porque
conheço um amigo falso depois que agarrou o dinheiro
ficou tão mal amigo.

Certos amigos de visita todos os dias
Te tratando com alegria e anda contigo abraçado
Mas de repente forma uma historia triste
De coisas que nem existe lhe pede algo emprestado
E eu garanto que este algo é dinheiro
Você serve o companheiro, se meteu noutro perigo
Ele lhe deixa pior do que mosca tonta
Não lhe paga a sua conta e ainda fica sei inimigo

Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo
Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo

- Bem assim mesmo, eu que sei o que quero
outra volta gaiteiro.

Até o cão que sempre foi bom amigo
Aquele não têm perigo porque não é traiçoeiro
E têm razão de traiçoeiro não ser
É porque não sabe ler e não conhece dinheiro
Mas se ele aprende o valor que a grana têm
Vai ficar falso também bem assim conforme eu digo
Ai na hora que precisares socorro
E chamares o teu cachorro, não é mais teu amigo

Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo
Abre o olho amigo, com está palavra de amigo
Porque um amigo falso é um tremendo perigo

- Vamô encerra rapaziada e é isso mesmo!

Existem duas versões dessa música, a primeira ele apresentou na rádio Metrópole, na mesma noite em que também cantou, pela primeira vez a “Resposta do cachorro recalcado”, e a segunda é essa publicada acima, que foi gravada ainda em 1976, no LP “Gildo de Freitas e os Taytas”. As duas versões são semelhantes, o que muda é a ordem em que entra o refrão. Além daquilo que ele já havia falado na rádio Metrópole, Gildo ainda fez questão de deixar registrado no disco o seguinte comentário, entre os versos da música:

“- É isso mesmo, têm nada não, eu sei porque
conheço um amigo falso depois que agarrou o dinheiro
ficou tão mal amigo”

O que foi mais uma alfinetada certeira no Teixeirinha e essa a gravadora Continental teve que deixar passar.

O outro recalcado


Mas o que chama atenção é que há um outro personagem que pensou que a música "Cachorro Velho" era para si. Trata-se de Jorge Camargo, que era uma espécie de afiliado do Teixeirinha. Também na época comentou-se que houvera um rompimento entre ele e o Teixeirinha. A música para a resposta foi “Ganhei na Moral”.


Ganhei na Moral
Compositor: Jorge Camargo
Ano: 1976

Aos meus amigos do Brasil inteiro
Venho no disco tentar outra vez
Me dão licença companheirada
Para agradecer as palmas de vocês
Porém na letra aqui vai um detalhe
Que é interessante prestar a atenção
Ouve um colega que através do disco
Tentou trancar a minha inspiração
Talvez o termo de cachorro velho
Seja para mim não tenho certeza
Imaginou que eu ficasse calado
E estou respondendo com muita destreza

-Este gauchito canta para ti!

Quando a velhice chega meu amigo
Não adianta vocês esconder
O teu sucesso é sempre passageiro
E aquela carta nunca vou esquecer
Não precisei da tua idéia
Já fui teu fã tempos atrás
Estou compondo com facilidade
Que é pra ti ver do que sou capaz
Te procurei numa oportunidade
Para no disco me dar uma mão
Não foi preciso e nesta gravadora
Estou cantando para toda a nação

Finalizando, não sou recalcado
Você no radio têm muita potência
Este meu disco está em todo o Brasil
E no Rio Grande que é minha querência
Este piazito que nos vinte anos
Já fez turnê em muitos estados
Foi demonstrar a raça gaúcha
Que outros cantores já estão manjados
Não quero brigas através dos discos
Se tu não queres assim esta bem
Quando quiseres lembre o teu ditado
Cão que só ladra não morde ninguém

Esses fatos ocorreram em 1976. Teixeirinha trata Gildo como ex-amigo e Gildo trata o Teixeirinha como um amigo “traira”. Mas há relatos que, em 1978, no grande bailão do Darci Silva em Porto Alegre, que era transmitido pela rádio Metrópole, aconteceu uma apresentação do Gildo de Freitas e do Teixeirinha, porém não se tem mais detalhes sobre essa apresentação, dizem que até trovaram, mas pode não passar de uma lenda sobre esses dois mitos da música regionalista do Brasil.

A Adaga

Após a tempestade vem a calmaria. Os anos se passaram a briga esfriou, não poderia ter sido diferente, mais do que “Cachorro Velho” e “Resposta ao Cachorro Recalcado”, só o confronto físico, algo que jamais Gildo de Freitas e Teixeirinha fariam, portanto o silêncio foi a maneira encontrada para se estabelecer um armistício, tudo em nome dos bons tempos dos anos 50/60, quando mais do que amigos eles eram irmãos.

Mas em 1979, Teixeirinha grava a música “Adaga de Esse” que era do álbum “Vinte anos de Glória”.

Adaga de Esse

-E agora é vez da adaga de Esse!
Conheço um valente lá da minha terra
Que diz que não erra um golpe de adaga
Que ataca o lagarto na boca da toca
Briga e provoca diz quando se embriaga
Diz que quebra pedra e destrói montanha
E que não apanha nas brigas que faz
Duela comigo me fez a proposta
E lá vai a resposta e volta pra trás
Mandei afiar minha adaga de S
Essas que estremece no pulso do macho
E vou te mostrar que eu entendo da esgrima
Destorço por cima te corto por baixo
-Esse bracinho é que é ligeiro índio velho!

Marca o dia, a hora e o lugar da briga
Não enche a barriga com as tuas cachaças
Faremos a luta de homem perfeito
Na raça no peito, no peito na raça
Leva a tua adaga que eu levo a minha
E a nossa linha pode ser a tape
Não quero bebida agora te conto
Se bater num tonto passo por covarde
Tu vai conhecer o que tu não conhece
Adaga de S sempre me consagra
Vou dar te uma surra mostrar que eu sou guapo
E operar o papo deste guaca magra
-Isto é a coisa mais fácil que tem !

Se eu perder a briga não volto pra casa
Aí tu me arrasa vergonha da cara
Mas se eu ganhar como tudo requer
A minha mulher vai te surrar de vara
Também vou chamar a tua chinoca
Pra ver as pipocas da adaga que arromba
Com esta coitada até te abandona
Não vai ser mais dona de cara de tomba
Depois minha adaga vou por na parede
Me deito na rede o dia amanhece
Esqueça de mim e jamais me aborreça
Só nunca te esqueça da adaga de S
-Não esquecer porque as marcas vão ficar no lombo pra toda vida!

Teixeirinha estava de volta com suas armas, pronto para mais um desafio, e mais uma vez o alvo era Gildo de Freitas. E disso a razões para crer:

“Diz que quebra pedra e destrói montanha
E que não apanha nas brigas que faz
Duela comigo me fez a proposta”


Quem mais poderia ser se não Gildo de Freitas? No mais, na música, Teixeirinha relata de suas proezas em cima do valente. Talvez nesse silêncio que acontecera antes da música “Adaga de esse”, tenha ocorrido a reconciliação e, naturalmente, as trovas a distância em alto nível estavam de volta. E se era para trovar e brigar, Gildo de Freitas não deixou o compadre Teixeira sem resposta.

E Gildo fez e abusou do uso da expressão “nanico”, que deixava Teixeirinha furioso, afinal sabemos o que significa essa palavra principalmente no tom que Gildo usava contra o seu compadre Teixeirinha.

Mas o tom agressivo que fora usado pelos dois, agora dava lugar a um tom mais amigável, quase indo em direção a comédia, mostrando que os tempos das brigas de verdade ficaram para trás e que agora era hora de novamente retornar as trovas a distância, mas de forma respeitável, sem atingir a honra de ninguém. E dessa forma o sucesso das músicas nas rádios e as vendas de LPs eram enormes.

Entretanto, mesmo com a reconciliação, o relacionamento nunca mais foi o mesmo, ficando o distanciamento devido a filosofia de vida de ambos, completamente oposta em relação ao modo de vida de um e outro. Sucesso ambos faziam, mas Teixeirinha era um homem preparado e ambicioso quanto a sucesso e negócios, tinha o tino para dirigir sua carreira como cantor de sucesso, já Gildo de Freitas queria o suficiente para sustentar sua família e manter sua vida sem luxo, sempre em volta das lidas rurais. Não bastasse isso, a partir de 1979, as estadas em hospitais tornam-se frequentes para Gildo de Freitas, atrapalhando sua carreira e a gravação de novos LPs.

Últimas escaramuças

Pois chegamos as últimas músicas que fazem parte da chamada ‘trova a distância’ entre Gildo de Freitas e Teixeirinha.

Gildo de Freitas, entre os anos de 1981 e 1982, esteve a maior parte do tempo internado em hospitais, mesmo assim conseguiu gravar aquele que seria seu último LP, que foi “Figueira Amiga”. Nesse LP, ele dava sequência a série de provocações que fazia há Teixeirinha, com a música “Que Negrinha Boa”.

Que Negrinha Boa

Compositor: Gildo de Freitas
Álbum: Figueira Amiga
Ano: 1982

O povo já descobriu
Que eu gosto da Gabriela
Pegaram nós se beijando
Numa festa na capela
Ela é louquinha por mim
E eu louquinho por ela
Por isso me resolvi
Juntar os trapos com ela
Tenho medo é de um artista
Que anda de olho nela

-Olho Grande!

De noite quando eu me deito
Ao lado da minha bela
Eu fecho a porta com a chave
Ponho a tranca e a tramela
O gavião é perigoso
Mete o bico na janela
Tenho medo é de um artista
Que anda de olho nela

Ela deita no meu braço
Eu durmo nos braços dela
Ela agarradinha em mim
E eu agarradinho nela
Bem magrinha e bem pretinha
Negra boa de costela
Tenho medo é de um artista
Que anda de olho nela

Não tem prata nem brilhante
Que pague a minha donzela
Francamente eu até tenho
Bastante ciúmes dela
Eu agora vou pra casa
Pra cuidar da Gabriela
Por que já tem outro artista
Que anda de olho nela
-Quem será?

Eu cuido da minha negra
Dou sopinha na tigela
Dou café, almoço e janta
Mingauzinho com canela
Tiro o pó todo da casa
Lavo os pratos e a panela
Não precisa trabalhar
Eu faço tudo por ela
Vou bater no Teixeirinha
Por andar de olho nela

-Não mete a mão na sopa quente, nanico!
-Fecha a gaita Arlindo!

Alguns especialistas dizem que Gildo de Freitas provocou Teixeirinha através de Mary Terezinha, já que nessa época o relacionamento entre eles já estava conflituoso. Mas não há indícios na letra da música. Entretanto, Gildo encerra com grande estilo sua guerra musical contra Teixeirinha. Melhor do que ler é ouvir:


Créditos: http://gildodefreitas.blogspot.com


De volta as armas...


Ainda em 1982, Teixeirinha resolve responder duas provocações numa só música, no LP “Que Droga de Vida”, encontramos a música “Dois Quarenta e Cinco”. Muitos “especialistas” negavam que essa música era para Gildo de Freitas, porque em nenhum momento parecia claro que o alvo dessa música era o Rei dos Trovadores. Mas isso tem uma explicação, a letra que estou postando abaixo é original do LP de 1982 onde consta uma introdução falada, onde claramente Teixeirinha responde “Que negrinha Boa” do Gildo de Freitas.

Não se sabe por qual motivo, nas remasterizações que foram lançadas em cds nos últimos anos, as gravadoras simplesmente apagaram esse trecho, descaracterizando o contexto de uma época, isso prejudicou o entendimento de muitos, que não compreendiam essa música.

Dois Quarenta e Cinco

-Háhaha, o Gildo Freitas inventou de me mandar as mulheres todas pra mim, também o velho não pode mais!

Conheço um sujeito
Que é fora do trilho
Que é bom no gatilho
Ele anda dizendo
Que puxa primeiro
E na hora da briga
Que a bala castiga
E não fica devendo

Eu queria ele
Prá meu companheiro
Prá no entrevero
Nós brigar de dois
Mas ele invocou-se
Com a adaga de “s”
E diz que aparece
Prá levar depois
-Mas quem é tu para levar a minha adaga
traz mais uns dois junto contigo.

Pois traz teu revolver
Que a adaga não vai
Ganhei do meu pai
Eu falo e não brinco
Não é só com ela
Que eu pensei brigar
Vamos nos pegar
Com dois quarenta e cinco

Ouvi o teu papo
Que puxas primeiro
Que é o mais ligeiro
Pois vem que eu te espero
Se eu for o mais rápido
Tu morre e não fala
Porque a minha bala
Boto aonde eu quero
-Nunca errei um tiro na minha vida

Vai cair da mão
O teu quarenta e cinco
Em cima do zinco
Da casa de alguém
O teu apelido
Vai ser mão furada
Prá outra pegada
Nunca mais tu vem

Porque tua mão
Vai perder a destreza
Não faz mais proeza
Nem prá gafanhoto
De ti me falaram
E não é mentira
Que tu só atira
É com o lado canhoto

-E pra mim não tem lado não o
cara, é dum jeito ou do outro
é pela esquerda ou pela direita
vem, vem que te espero.

Agora tu pensas
Se vem ou não vem
Por mal ou por bem
Será bem aceito
Eu estou aqui
E não sou assustado
Prá mim não tem lado
Esquerdo ou direito

Pense bem no caso
Que tu me propõe
Talves te dispõe
A pensar diferente
Se vier e na certa
Meu baú se infarta
Com mais uma carta
De um cara valente

- Agarra essa petiço barrigudo!

Mais apelidos....

Teixeirinha agora arruma mais um apelido para Gildo de Freitas: além de petiço, agora era barrigudo. Mas para muitos fãs de Gildo de Freitas, dessa vez Teixeirinha foi desleal demais, já que Gildo de Freitas, em seus últimos anos de vida, de fato estava barrigudo, mas não por ser obeso, mas por culpa de suas enfermidades, o que o levava a passar vários meses em hospitais, e Teixeirinha, ao usar isso para atacar o Gildo, poderia ser interpretado como covardia.

Mas existem mais elementos que provam que essa música era para o Gildo. Teixeirinha fala que o desafiante era canhoto, fala em guardar a carta, e de fato Gildo era canhoto e costumava mandar cartas ao Teixeirinha, como já ouvimos na música “Resposta da Facão Três Listras”. Por isso não há razões para não se acreditar que “Dois Quarenta e Cinco” era dedicada a Gildo de Freitas, e foi essa a última provocação que Gildo de Freitas ouviu nos discos do Teixeirinha, já que naquele mesmo ano de 1982, na madrugada de 4 de dezembro, Gildo de Freitas deixava a vida para se tornar uma lenda da música e da trova Rio Grandense.

A música abaixo é do “Velho Milongueiro”, lançada na mesma época de "Que Negrinha Boa".

Tanto a pé como a cavalo
Velho Milongueiro

Puxei o pingo tubiano
E botei o sirigote
E como quem não quer nada
Fui saindo meio a trote
A procura de um fandango
Ou baile de cola fina
Pra dançar com alguma china
Vaneira, rancheira e chote

Ninguém me guenta
Quando entro no embalo
Eu sou gaúcho
Tanto a pé como a cavalo

Peguei a estrada real
Depois dobrei a direita
E nunca tinha cruzado
Em estrada tão estreita
Quando descobri o baile
Fiquei cheio de alegria
Escutei a cantoria
Do Velho Gildo de Freitas

Ninguém me guenta
Quando entro no embalo
Eu sou gaúcho
Tanto a pé como a cavalo

A Gabriela estava lá
Negra boa de costela

Paguei entrada e entrei
E dancei com a Gabriela
Gastei tudo o meu dinheiro
Bebendo junto com ela
E pra não passar vergonha
E continuar farreando
endi o pingo tubiano
A troco de bagatela

Ninguém me guenta
Quando entro no embalo
Eu sou gaúcho
Tanto a pé como a cavalo

Quando terminou o baile
Todo mundo foi embora
Com os arreios nas costas
Fui saindo estrada a fora
Com a cara desencharrida
Pesando na Gabriela
Sem cavalo e sem donzela
To vivendo até agora

Ninguém me guenta
Quando entro no embalo
Eu sou gaúcho
Tanto a pé como a cavalo

Compadre?

No dia 04 de dezembro de 1982, Gildo de Freitas falecia em casa, dando um ponto final na conturbada relação entre os dois maiores nomes da música do Rio Grande do Sul. Mas nem mesmo a morte de Gildo determinou o fim das polêmicas.

Depois da morte de Gildo, Teixeirinha compôs e gravou “Compadre Gildo”, onde relata sua versão sobre sua relação com Gildo de Freitas. Entretanto essa música não consta em nenhum dos 5 LPs que Teixeirinha gravou depois da morte do Gildo mostrando um certo desdém comercial.

Compadre Gildo

Compadre Gildo de Freitas
Encerraste a carreira
Acabou a nossa guerra
Que era pura brincadeira
Agora estás lá no céu
Junto a nossa padroeira
No jardim da santidade
Aceite toda a saudade
Do teu compadre Teixeira

Pediste a terra pro corpo
Antes da extrema unção
Também comungo contigo
Quando eu morrer quero o chão
Mas quero é falar de ti
Na minha composição
Gildo eu digo com certeza
Mais um selo de tristeza
Que gruda em meu coração

Compadre Gildo de Freitas
Ouça bem o Teixeirinha
Está te mandando um beijo
A tua esposa Carminha
O Jorge , o Zeca e o Paulo
O Geneco e a Neusinha
Teus cinco filhos e netos
Os donos dos teus afetos
Também da saudade minha

Na estância grande do céu
Onde te encontras agora
Junto aqueles trovadores
Que a tempo já são outrora
Vão fazer versos contigo
Prá cristo e nossa senhora
O Cardoso na sanfona
O Tereco se apaixona

Compadre Gildo de freitas
O Rio Grande está chorando
Sentindo a falta de ti
E o povo se lamentando
Não vão ouvir mais nós dois
Em versos se debicando
Eram duelos de idéias
Prá divertir as platéias
E nós como irmãos se dando

Foi grande a nossa amizade
E disso nunca eu esqueço
Sempre nos queremos bem
E querer bem não tem preço
Mas tu partiste com Deus
Mudaste de endereço
Com Cristo tu te refez
Quando chegar minha vez
Compadre Gildo apareço.

A expressão “eram duelos de idéias” destaca um dos fatores das constantes brigas. Gildo de Freitas e Teixeirinha tinha uma visão da vida e de suas carreiras completamente diferentes. O Rei dos Trovadores, desde a década de 40 até sua morte foi um amador, fazia mais pela paixão do que pelo dinheiro e, sempre que possível, ajudou outros músicos, cedendo suas composições. Nunca foi ambicioso, jamais colocou o dinheiro ou a carreira acima da família e dos amigos.

Já o Rei do Disco era um profissional, aficionado pelo sucesso e que tinha um enorme talento para música, além de tino para os negócios, construindo, graças a seu profissionalismo, um bom patrimônio.

Gildo, mesmo com o sucesso, sempre viveu de forma humilde e Teixeirinha, como fruto do seu talento, fez do sucesso fortuna.

Um episódio, que retrata o lado “amador” do Gildo foi quando ele e alguns músicos estavam em uma Kombi na BR 116 indo a Pelotas, onde tinham hora marcada para uma apresentação. Como haviam atrasado a saída de Porto Alegre, eles já chegariam a Rio Grande na hora do show. Mas, vendo na estrada uma pitangueira repleta de frutos, Gildo de Freitas não teve dúvidas: mandou o motorista parar a Kombi para ele colher e comer as pitangas. Todos no veículo tentaram dissuadir Gildo, já que com a parada eles iriam atrasar e perder o show. Mas Gildo, já saltando da Kombi rumo a pitangueira, disse a todos que shows e apresentações ele pode ter qualquer dia, mas pitanga madura e no ponto de colher é só uma vez ao ano.

Um ponto a se destacar é que a rivalidade não se devia a um invadir o espaço do outro, ou seja, o sucesso de um não era o fracasso do outro. Eles ocupavam espaços diferentes e cada um tinha seu público cativo. Gildo de Freitas nunca foi uma ameaça, em termos de vendas de discos, a Teixeirinha: na verdade o único que chegou perto dos números do Rei do Disco foi José Mendes. Pode ser que as tais brigas, como estratégia de marketing, tenha obtido sucesso, criando até “Gildenses” e “Teixeirinhenses”: uma espécie de torcida para cada um, mas isso foi de fato explorado amistosamente somente no início da carreira do Teixeirinha.

Em toda polêmica, temos que ouvir a outra versão. Apesar do suposto afeto ao Gildo e sua família, Teixeirinha, ou melhor, Vitor Mateus Teixeira não foi ao enterro de Gildo de Freitas, nem tão pouco ao velório, um gesto de ingratidão à pessoa que o mais o ajudou quando Teixeirinha era um ilustre desconhecido e iniciante, perambulando em busca de espaço nas rádios Farroupilha e Gaúcha, cujo espaço Gildo de Freitas já havia conquistado. Ainda nos anos 50, Gildo de Freitas deixou sua esposa Carminha e seus filhos em Porto Alegre, para viajar com Teixeirinha pelo Rio Grande do Sul, para que com as apresentações, Teixeirinha juntasse dinheiro suficiente para se casar com a Zoraida, que foi única mulher com quem Teixeirinha se casou. Carminha relata em seu livro que passou muitas necessidades com seus filhos já que muitas vezes não tinha como se manter.

Na época, Teixeirinha alegou que não foi ao velório e ao enterro, pois temia ser mal recebido, entretanto sabemos que a morte de Gildo foi de tal comoção, que a aparição do Teixeirinha seria a prova maior que de fato eles eram amigos e companheiros e Teixeirinha solidário a família e amigos do Gildo, mas Teixeirinha preferiu se esconder e fomentar ainda mais as fofocas e gerar esse ressentimento por parte da família de Gildo de Freitas

Adão José de Souza, mais conhecido como “Formiguinha”, era um grande amigo de Gildo de Freitas e de sua família. Cantor, compositor e trovador, foi parceiro muitas vezes de Gildo nas trovas, apresentações, shows e, principalmente, na rádio Metrópole. Pois Formiguinha gravou uma música em resposta para “Compadre Gildo”, de Teixeirinha.

Formiguinha, até sua morte em 1990, foi fiel a memória de Gildo e sempre se manteve próximo a família de Gildo de Freitas.

Pedido de Amigo

Peço desculpa pra o povo
Eu não escondo segredo
De um artista que eu conheço
Que é metido a bicharedo
Fala no disco e no rádio
Derruba qualquer rochedo
É cantador criativo
Mas quando o Gildo era vivo
Tremia a perna de medo

Fizeste letras para o Gildo
Resposta tu recebeu
Criticavas tanto ele
Agora tu te esqueceu
Reza no disco e no radio
Depois que o homem morreu
Que tamanha falsidade
Tais faltando com a verdade
Ele não era amigo teu
E agora vem com desculpas
Que eras amigo do homem
Fez uma letra e gravou
Só para aproveitar o nome
Mas não te esqueça que um dia
A tua alma se some
Se acaba a vida granfina
Teu orgulho se termina
E a matéria a terra come

E as letras que fez pra o Gildo
Deixou o povo revoltado
Fizeste a adaga de ése
E o cachorro recalcado
Um tal de facão três listas
E até um relho trançado
Jogava as pedras no homem
E agora aproveita o nome
Depois do corpo enterrado

O povo todo compreende
Que tamanha falsidade
Nem no enterro tu foi
Veja que barbaridade
E hoje tu diz meu compadre
To morrendo de saudade
Mas a família dos Freitas
Mandou eu te dar a receita
Provando a minha amizade

Enquanto o Gildo foi vivo
Deixaste ele num canto
Tu nunca ajudou ninguém
E o Gildo ajudou tantos
E hoje perante o povo
Estais querendo bancar o santo
Só tens dinheiro e cartaz
O que tu fez não se faz
Juro pro povo eu não garanto

Tu és artista ricaço
Tua vida é um paraíso
Mas és ruim barbaridade
Nada de ti eu preciso
Só quero te dar um conselho
Que barbado eu não aliso
O Gildo foi tão fiel
E tu és cobra cascavel
Que vive batendo guizo

Adeus o Gildo de Freitas
Eu atendi o teu pedido
Eu sempre fui teu amigo
Sincero, honesto e querido
Eu só estou dando a resposta
Pra um tipo prevalecido
Desculpe o seu Formiguinha
E o resto pergunte a Carminha
Viúva do falecido

No disco, Teixeirinha não respondeu essa música e nunca mais tocou no assunto “Gildo de Freitas”. Em breve entrevista ao jornal Zero Hora, no ano de 1982, Teixeirinha ainda tentou explicar um pouco sobre sua relação com Gildo, afirmando que eram amigos e que sempre olhavam um para o outro. Mas sabemos que isso não era verdade, já que nas inúmeras internações em hospitais de Gildo de Freitas, não há relatos de que alguma vez Teixeirinha tenha ido visitá-lo.

Nos anos de 1983 e 1984 Teixeirinha começava a enfrentar uma série de problemas, após Mary Terezinha abandoná-lo para se unir ao mentalista Ivan Trilha e, em 1985, começava a sofrer também com problemas de saúde e, por ironia do destino, num mesmo 4 de dezembro, Teixeirinha falecia no hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Definitivamente a briga entre eles estava encerrada, mas entre seus fãs, ela continua até hoje.

No Rio Grande do Sul, por tradição, em tudo há uma dicotomia. Foi assim na política (que perdura até os dias de hoje), no futebol e agora na música no que se trata a relação entre Gildo de Freitas e Teixeirinha. Existe realmente entre os fãs mais aficionados, uma defesa apaixonada de seu ídolo, o que leva a atacar o outro. Assim é entre fãs de Gildo e Teixeirinha. Mas justiça seja feita a aqueles que admiram os dois e felizmente são a maioria.

Desta forma encerramos a série de artigos. Efetivamente eles não são definitivos, são apenas um ponto de vista sobre a relação Gildo de Freitas e Teixeirinha. Tudo o que foi escrito foi baseado em recortes de jornais, livros e, especialmente, testemunhos de quem viveu e conviveu tanto com Gildo de Freitas quanto com Teixeirinha.

Curiosidades
Gildo de Freitas
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Pedro Raymundo

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João Felisberto Raimundo (Pedro Raymundo), nasceu na cidade de Imaruí, no estado de Santa Catarina, em 29 de junho de 1906.
Filho do pescador e sanfoneiro João Felisberto Raimundo, começou a tocar sanfona aos oito anos. Mais tarde integrou, em sua cidade, a banda "Amor à Ordem", além de se apresentar em festinhas. Foi pescador até os 17 anos, quando passou a trabalhar na construção da Estrada de Ferro Esplanada-Rio Deserto, em Santa Catarina.
Em 1929, mudou-se para Porto Alegre, onde trabalhou como condutor de bondes, inspetor de tráfego, guarda-freios, maquinista de usina, balconista e oleiro. Foi também chaveiro da estrada de ferro D. Teresa Cristina, onde foi vítima de um acidente que lhe deixou um defeito na mão, o que, entretanto, não o impediu de tornar-se um dos mais brilhantes sanfoneiros do Brasil.
Em 1939 foi chamado a trabalhar na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, onde organizou o "Quarteto dos Tauras", com Oswaldinho, Zé Bernardes e Zico. Em 1942 excursionou pelo interior do Rio Grande do Sul e no ano seguinte foi ao Rio de Janeiro, onde se apresentou no Show Muraro, da Rádio Mayrink Veiga, e em programas da Rádio Tupi. Em seguida Almirante o levou para a Rádio Nacional. Contratado pela emissora, transferiu-se definitivamente para o Rio de Janeiro, lançando ainda em 1943, pela Colúmbia, seu primeiro disco, com o choro "Tico-Tico no Terreiro" e o xote "Adeus Mariana" (ambas de sua autoria). Homenageou Laguna com sua canção "Saudade de Laguna".
Sua descontração e exuberância valeram-lhe o slogan de “O Gaúcho Alegre do Rádio”. Alternava em suas apresentações, músicas alegres com outras sentimentais. Apresentava-se com bombachas, lenço no pescoço, botas, esporas, chapéu e guaiaca. Pedro Raymundo levou a figura típica do Sul do Brasil a todo país, tempos antes do surgimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho.
O apogeu, veio com os versos de “Adeus, Mariana” que entram para a memória musical brasileira. Com esta canção simples e trajes típicos do Rio Grande do Sul, Pedro Raymundo se torna uma das marcas do Programa César de Alencar, na Rádio Nacional, então o principal programa de auditório do país. Deste modo, constitui-se no primeiro cantor gauchesco a ficar conhecido, graças ao rádio, fora do estado.
Atuou nos filmes "Uma Luz na Estrada", de Alberto Pieralise, em 1949, e "Natureza Gaúcha", de Rafael Mancini, em 1958.
Em 1959 se submeteu a uma cirurgia para corrigir um desvio no polegar e ficara com a mão paralisada, o que lhe afastaria da música durante dois anos.
Pedro Raymundo retoma suas apresentações em 1963 na Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, justamente a emissora em que se apresentara, duas décadas antes, então recém-chegado de Porto Alegre. No mesmo ano, volta ao Rio Grande do Sul e faz uma temporada na Rádio Gaúcha. Sem a mesma vitalidade de antes, logo transfere-se para a cidade de Lauro Müller, onde conduz o Programa Pedro Raymundo, às seis da manhã, na Rádio Cruz de Malta. Na mesma época, apresenta atrações semelhantes nas rádios Eldorado, de Criciúma, e Diário da Manhã, de Florianópolis.
Em 1971, volta ao microfone da Rádio Gaúcha.
Em 09 de julho de 1973, aos 67 anos, faleceu no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro/RJ, vítima de câncer.

Em se tratando de provocações em disco, o primeiro alvo do Gildo de Freitas não foi Teixeirinha. Gildo de Freitas em seu primeiro Lp em 1964 provocou Pedro Raymundo respondendo a música “Adeus Mariana” com a canção “Que Jeito Têm a Mariana”.

Para quem não sabe, Pedro Raimundo fora o primeiro cantor gaúcho a ter destaque nacional, pouco antes do fenômeno de vendas Teixeirinha.

Não se têm muitos registros sobre Pedro Raimundo na web, mas destaco este trecho do filme “Nobreza Gaúcha” de 1958 onde Pedro Raimundo está atuando como ator.

A seguir a letra da música “Adeus Mariana” do Pedro Raimundo que já foi regravada dezenas de vezes por outros cantores entre eles: Sergio Reis, Os Serranos, Oswaldir e Carlos Magrão, Gaúcho da Fronteira, entre outros.

Adeus Mariana

Nasci lá na cidade me casei na serra
Com minha Mariana moça lá de fora
Um dia eu estranhei os carinhos dela
E disse adeus Mariana que eu já vou embora

É gaúcha de verdade de quatro costados
Que usa chapéu grande, bombacha e esporas
E eu que estava vendo o causo complicado
Disse adeus Mariana que eu já vou embora

Nem bem rompeu o dia me tirou da cama
Encilhou o tordilho e saiu campo afora
E eu fiquei zangado e saí dizendo
Adeus Mariana que eu já vou embora

Ela não disse nada mas ficou cismando
Que era dessa vez que eu daria o fora
Pegou a soiteira e veio contra mim
Eu disse larga Mariana que eu não vou embora

Ela ficou danada e foi quebrando tudo
Pegou a minha roupa e jogou porta fora
Eu fiz uma trouxa e sai dizendo
Adeus Mariana que eu já vou embora

Mas a resposta do Gildo de Freitas não deve ser interpretada como provocação, ela deve ser vista como uma homenagem ao pioneiro cantor gaúcho Pedro Raymundo e, logicamente, a resposta foi ao estilo Gildo de Freitas, que todos nós conhecemos.

Que Jeito Têm a Mariana

- Vai te preparando Pedro Raimundo

Pedro Raymundo discute a confiança
Apesar que eu não te conheço bem
Quero que mande os versos por lembrança
Me-explicando o jeito que a Mariana têm
Pedro Raymundo discute a confiança
Apesar que eu não te conheço bem
Quero que mande os versos por lembrança
Me-explicando o jeito que a Mariana têm

-Tô ansioso pra saber...

Faço a pergunta já desconfiado
Que eu me representa que vi a Mariana
Dando peleia para três soldados
Têm que ser ela se acauso não me engano
Faço a pergunta já desconfiado
Que eu me representa que vi a Mariana
Dando peleia para três soldados
Têm que ser ela se acauso não me engano

Esta mulher que eu to te falando
É uma alta meia magricela
Parou rodeio para três Brigadianos
E não puderam tomar conta dela
Está mulher que eu to te falando
É uma alta meia magricela
Parou rodeio para três Brigadianos
E não puderam tomar conta dela

- Está china veia dava mais volta
do que polca em parafuso seu.

Eu vendo a briga me lembrei daquela
Que há muito tempo foi a china tua
Que te deixava lavando as panelas
Agarrava as armas e saia para a rua
Eu vendo a briga me lembrei daquela
Que há muito tempo foi a china tua
Que te deixava lavando as panelas
Agarrava as armas e saia para a rua

Para complementar vale lembrar que na música “Sonhei Que Fui ao Céu”, Gildo de Freitas volta a citar Pedro Raimundo, dessa feita ele já era falecido e também era uma homenagem ao Pedro Raimundo e outros cantores que já haviam falecido.

Gildo de Freitas Fotos & Vídeos

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A foto abaixo mostra Gildo de Freitas muito alinhado em um terno branco, no CTG Tio Lautério, em São Leopoldo. Inclusive dá para ler a placa atrás. Na foto estão, também, Dolino Gomes (à esquerda) e Elio Teixeira da Silva (ao centro)

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Foto do Gildo em Porto Lucena, no CTG Querência Costeira.

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Foto de Gildo e Teixeirinha.

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Foto de Gildo mateando, com sua gaita sobre a mesa.

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Juarez Fonseca e Airton dos Anjos falam sobre Gildo de Freitas, no Galpãp Crioulo, no ano em que este completaria 94 anos de idade

Entrevista com Dona Carminha de Freitas, esposa de Gildo de Freitas, no programa Querência. Assista o bloco 1 deste programa

Continuação da entrevista com Dona Carminha de Freitas, esposa de Gildo de Freitas, no programa Querência. Assista o bloco 2 deste programa

Continuação da entrevista com Dona Carminha de Freitas, esposa de Gildo de Freitas, no programa Querência. Assista o bloco 3 deste programa

Entrevista com D. Carminha, viúva de Gildo de Freitas, no programa Galpão Crioulo.

Relembre a última apresentação de Gildo de Freitas, no ano de 1982, sua última aparição pública.